Todos os olhos estão virados para a desgraça que afecta o povo do Haiti no seguimento do tremor de terra que atingiu o território. É difícil imaginar como sobrevive uma população que viu destruir o já pouco que tinha de infra-estruturas e sector agrícola e produtivo. Quem se deu ao trabalho de ver onde fica o Haiti no mapa, aprende que é apenas um terço de uma ilha, sendo os outros 2 terços, a Este, um outro estado, a República Dominicana. Foi nesta ilha que Cristóvão Colombo aterrou quando "descobriu" a América (ou a Índia) e baptizou-a de Hispaniola.
Embora ambos países tenham sofrido grande instabilidade política, os dois lados da ilha não podiam ser mais contrastantes no que toca à riqueza e capacidade produtiva dos solos, e à densidade populacional: com um terço do território da ilha, o Haiti têm 2 terços da sua população, com uma densidade populacional de cerca de 360 por quilómetro quadrado, o 30º país mais povoado do mundo, e o país mais pobre da região Americana. Para entender este contraste há que recuar à história da colonização da ilha.
A ilha estava povoada pelos Tainos, e 27 anos depois da chegada de Colombo, a sua população de cerca de um milhão encontrava-se reduzida a apenas 11 mil, em grande medida devido à varíola trazida pelos Espanhóis. Cedo, estes descobriram que a ilha era boa para plantar cana de açúcar e começou a importar escravos de África, para trabalhar os terrenos. Mas os interesses do império Espanhol orientaram-se para outras paragens, como o México, Peru e Bolívia, e passou a dedicar cada vez menos atenção, importância e recursos a Hispaniola. Os impérios emergentes da Inglaterra, França e Holanda começaram a dominar o Caribe através dos seus mercenários, ou piratas.
No início do século XVI, o rei de Espanha ordenou que a população colonial se refugiasse na cidade de Santo Domingo (na costa sul da actual República Dominicana) para se proteger dos piratas que vinham dominando a ilha. Na segunda metade desse século, a França ocupa a parte Oeste da ilha, denominando-a Saint Dominque (e que mais tarde veio a ser o Haiti). O contraste entre as duas partes da ilha acentuam-se a partir desta separação. No século XVIII, a colónia Espanhola tinha uma população colonial e escrava reduzida, com uma economia pequena, assente na criação de gado, enquanto a colónia Francesa, com apenas um terço da ilha, tinha cerca de 700 mil escravos em 1785 (face aos 30 mil na colónia espanhola) que correspondia a 90% da população (comparado com 15% na colónia espanhola). A proporção de escravos reflecte a sua economia intensiva de cultivo de cana de açúcar. Saint-Dominque tornou-se na mais rica colónia Europeia no novo mundo e responsável pela produção de um quarto da riqueza da França.
A grande concentração de escravos conduziu a revoltas em 1791 e 1801, derrotadas com forte repressão militar Francesa. Em 1804, a França abandona Hispaniola, no seguimento da venda dos seus territórios da América do Norte aos EUA, na Compra de Louisiana [*correcção do texto original suscitado pelo c0mentário de estouxim no Cinco Dias; obrigado]. Os ex-escravos lograram então tomar as rédeas do poder da ilha, dividiram as terras, e renomearam a ilha Haiti. Durante o século XIX, tiveram lugar várias re-organizações do poder na ilha, e em 1850 a zona Oeste (Haiti) seguia tendo uma população mais elevada, maioritariamente de origem Africana, falando um crioulo, com uma economia agrícola de subsistência, com poucas exportações. Em contraste, a zona Este tinha uma densidade populacional baixa, espano-parlante, ainda assente na pecuária mas que começou a desenvolver uma economia de exportação de cacau, tabaco, café e (a partir de 1870) açúcar. Hoje, 28% da República Dominicana ainda é florestada, comparado com apenas 1% do Haiti.
Em parte as diferenças entre os dois países devem-se a diferenças geográficas: a zona leste da ilha recebe mais chuva e as águas das montanhas da ilha fluem sobretudo para leste, enquanto que o Haiti é mais montanhoso e seco. Mas apesar destas diferenças, foi na zona Oeste da ilha que se desenvolveu uma agricultura intensiva, que tendo resultado numa explosão de produção, levou ao esgotamento dos solos. Ao uso intensivo do solo, esteve também associado uma maior densidade populacional, colocando maior pressão sobre os recursos e a economia.
Muito do que aqui descrevo vem desenvolvido no livro «Colapso» de Jared Diamond, uma abordagem de história materialista e científica, que explicar o sucesso e colapso de civilizações. Não pretendo com isto de forma alguma minorar o infortúnio e sofrimento do povo do Haiti. Apenas enquadrar historicamente o país e explicar a sua pobreza, que antecede o recente terramoto. Os desastres naturais são capazes de atingem no imediato pobres e ricos, mas a médio prazo são as populações mais pobres as que mais sofrem, pelo que há que averiguar as causas da sua pobreza.
quarta-feira, janeiro 20, 2010
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