domingo, janeiro 30, 2011

Domínio financeiro

Depois de uma ausência em 2009, em pleno ascensão da crise financeira mundial, os grande bancos voltaram em força para participar no Fórum Económico Mundial em Davos, este ano. Representantes do JP Morgan, UBS, Credit Suisse, Barclays, Lloyd"s, Nomura, Lazard, Standard Chartered etc. foram com uma mensagem muito clara para os governantes das principais economias mundiais: não exagerem nessa conversa da regulação. Estes tenham introduzido a retórica da regulação financeira nos seus discursos (menos na implementação) e apontado os dedos aos Bancos (e depois oferecido fundos públicos aos bancos), mas a cimeira de Davos torna ainda mais evidente quem é que manda. O Bancos foram claramente ameaçar os governos a não regularem o sector bancário e financeiro, argumentando que sem os bancos não haverá financiamento para investimentos e recuperação da economia.

Citado no Público de hoje, as afirmações do presidente do banco italiano Intesa Sanpaolo, Corrado Passera, dá sustento a estas ameaças: “Neste momento, já atingimos um rácio de capital que, para muitos bancos, pode criar um obstáculo ao crescimento futuro”. Isto é «que detêm o capital para haver investimento e recuperação económica são os Bancos, meus senhores, não são os Estados. Os senhores já não têm capital para reanimar as economias; os governos, as empresas e os cidadãos estão em dívida para connosco. Somos nós que somos decisivos». A subjugação da política económica e social dos estados no sector financeiro não política não poderia ser mais clara.

Num momento em que os maiores governos capitalistas, deveriam já ter imposto maior regulação e fiscalização do sector financeiro, aumentado os impostos sobre actividades financeiras, e ilegalizar certas formas de especulação. Isto para não dizer efectivamente nacionalizar certos bancos. Quanto digo nacionalizar uso o termo no sentido de os submeter ao controlo público, não como o termo foi usado quando alguns governos deram avultadas somas a bancos “que não podiam cair”, como se fossem entidades divinas. Alguns destes bancos usaram essas verbas para se levantarem e seguirem no mesmo jogo. Os grandes bancos aproveitaram para aumentar a concentração do sector, comprando bancos mais fracos, e fortalecer a sua posição face aos governos, sem prestar contas públicas de como esses fundos públicos foram usados. Público foi o aumento de tarifas sobre as transições bancárias pagas pelos clientes; e a continuação da prática de salários e bónus elevados para os administradores, já que fizeram um trabalho tão brilhante.

A comissão oficial do governo federal do EUA para investigar as causas da crise financeira nacional (Financial Crisis Inquiry Commission) emitiu, a semana passada, o seu relatório. Mesmo as conclusões deste painel, que não é propriamente crítico do sistema capitalistas, conclui que a crise não tive teve como causa todo um sistema, em que responsabilidade foi repartida entre os governos neo-liberais que desregularam o sector, os administradores dos bancos e os mega-milionários que navegam as águas da especulação mundial. 

[O seguinte são traduções de reportagem do programa Democracy Now!]

{O presidente da comissão, Phil Angelides, afirmou:
“A crise financeira poderia ter sido evitada. Sejamos claros: esta calamidade não foi o resultado da acção, falta de acção ou juízo — não foi a Mãe Natureza ou modelos computacionais a falharem. Os capitães das finanças e os fiscalizadores públicos dos nosso sistema financeiro ignoraram alertas e, importante, não questionaram, não procuraram compreender e gerir a evolução dos riscos que num sistema financeiro é tão essencial para o bem-estar no nosso país. Foi uma grande falhanço no alvo, não um tropeção.”
 A Comissão afirmou que referiu ao Departamento de Justiça e Procurador-Geral potenciais violações da lei por pessoas e corporações. O membro da comissão John Thompson lançou as culpas numa combinação de desregulação e inacção ao nível federal:
“A Reserva Federal [que não é uma entidade pública, mas um conglomerado de bancos] foi claramente o garante das práticas de empréstimo neste país. Decidiram não actuar. A Reserva Federal do Banco de Nova Yorque podia ter puxados as rédeas ao que estava a ser feito por alguns grande centros bancários em Nova Yorque. Quero dizer, por aí fora, regulador após regulador; optaram por não agir e virar as costas ao que estava realmente a acontecer. Portanto é menos culpa de um indivíduo em particular e mais uma responsabilidade sistémica de desregulação e inacção por aqueles que estavam em posição de poder para tomar acção”. 
 Olhando para a frente, o membro da comissão Byron Georgiou alertou que as estruturas principais do sistema financeiro que levou ao colapso continuam em pé:
“O nosso sistema financeiro não é hoje, 2011, muito diferente daquele que conduziu à crise em 2007 e 2007. Na verdade, a concentração de bens financeiros nos maiores bancos comerciais e de investimento é maior hoje que na escalada para a crise, fruto da evisceração de certas instituições e consolidações e concentrações de outras em instituições maiores”}
 Isto é, estamos piores agora, do que antes da crise. Destas afirmações discordo com sobretudo com a implicação que alguns agentes, bancários, reguladores ou governamentais, não tomaram acção por desleixe. O virar de costas e inacção só pode ser interpretada com cumplicidade e concórdia. Não era preciso ser um grande especialista económico e ler relatórios de milhares de páginas. Bastaria, por exemplo, ter os editoriais muito claros do Prémio Nobel da Economia Paul Krugman, no New York Times, para já no princípio da década ser capaz de prever a crise no sector financeiro imobiliário. Não há dedos nas mãos e nos pés suficiente para apontar. O que precisa de ser julgado é todo o sistema. O veredicto é culpado. E a sentença deveria ser a sua substituição por um sistema alternativo, em que os bancos e o sector financeiro está ao serviço dos interesses políticos e económicos, e não o inverso. Mas a comissão não foi tão longe.