quinta-feira, junho 21, 2007

Dividir para reinar

O princípio milenar de guerra "Divide et regna" – dividir para reinar – usado por Filipe II da Macedónia ou pelo império Romano, continua a ser usado pelo imperialismo. Ao colocar facções de uma população em guerra entre sí não só a ocupação e exploração dos territórios e seus povos fica facilitada, como se criam as condições para justificar a própria intervenção. Se aos olhos da população da metrópole imperial o conflito local tiver origem em conflitos tribais, que precedem qualquer invasão estrangeira, então esta surge até revestida de tons humanitários. A comunicação social joga agora um papel fundamental ao promover uma narrativa de rivalidade étnica, mascarando muitas vezes o papel directo que o império teve em fabricar as cisões entre grupos ou em promover disputas entre grupos pré existentes.

Tomemos como exemplo a guerra civil no Ruanda em 1994, descrita frequentemente como a sublevação violenta da maioria hutu contra a minoria tutsi, mais rica e poderosa. O ódio entre os dois grupos foi certamente um factor instigador da violência. Mas é necessário entender que estes dois grupos correspondem de facto a duas etnias pós-coloniais. A sua criação remonta ao colonialismo alemão e belga que, ao chegar à região, instituiu uma hierarquia de poder, atribuindo cargos de administração aos pastores, de aspecto mais "europeu", que passou a designar como tutsis. A população agrícola, mais "negroide", foi designada como hutu. Nos anos 30, estas designações passaram mesmo a constar nos cartões de identidade, reforçando uma divisão "étnica" sem correspondência biológica ou cultural: a distinção morfológica é ambígua, ambos os grupos falam a mesma língua, e casamentos entre hutus e tutsis eram frequentes. As consequências desta divisão colonial tem repercussões ainda hoje, décadas depois dos colonos terem abandonado a região.

Redesenhar fronteiras

Mais frequentemente, o império destrói as condições de unidade nacional promovendo linhas de fractura entre grupos pré existentes. Veja-se o caso da dissolução da República Federal Socialista da Jugoslávia. Durante décadas, após a segunda guerra mundial, esta federação logrou unir cinco nacionalidades, quatro línguas e três religiões sob uma única presidência e Constituição. O país estava dividido em repúblicas administrativas, que gozavam de grande autonomia relativamente ao governo federal central. A unidade nacional sofreu um duro golpe com a morte de Tito, que sempre havia combatido o surgimento de nacionalismos. Nas repúblicas mais ricas, como na Eslovénia e Croácia, as elites viram a independência como uma oportunidade para deixarem de contribuir para o cofres federais. Os elementos de fractura estavam presentes, mas o Ocidente teve um papel determinante nesse processo. O Congresso dos EUA aprovou legislação congelando o apoio económico à Jugoslávia, mas prometendo fundos às repúblicas que realizassem eleições "independentes". Após a sua eleição em 1990, o Presidente da Croácia, Trudjman, armou clandestinamente uma força militar que serviria de futuro exército croata independente. Quando Belgrado ameaçou tomar medidas contra esta clara traição à Constituição e ameaça à unidade federal, os EUA intercederam a favor da secessão da Croácia. A auto declarada independência das repúblicas da Eslovénia e Croácia foi rapidamente reconhecida pela União Europeia e EUA, sem considerar as consequências para as populações sérvias nesses territórios. A destruição da Jugoslávia, exigida pela Alemanha, foi encorajada pelo apoio aos sectores nacionalistas, enquanto o governo central que procurava manter a unidade multinacional da federação e assegurar os direitos das minorias nas repúblicas secessionistas era pintado como opressor.

Vemos de novo esta técnica no Iraque ocupado. A Autoridade Provisória, liderada por Paul Bremer, desenhou uma Constituição e mapa político com traços religiosos, encorajando assim as actuais disputas de poder entre xiitas, sunitas e curdos. A guerra civil limita os ataques às tropas ocupantes, e em certa medida justifica a continuação das forças ocupantes. As milícias religiosas constituem recursos operacionais: os EUA estão a financiar grupos sunitas, alguns com ligações à al-Qaeda, para combater grupos xiitas apoiados pelo Irão. E uma unidade nacional enfraquecida facilita o repartir de recursos entre as grandes transnacionais. Os EUA têm inclusivamente uma proposta para redesenhar as fronteiras da região. Como se tratasse de decoração paisagística.


Publicado no Avante! Edição Nº.1751, 21/06/2007

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