quinta-feira, agosto 14, 2003

Acto pouco patriota

A «Guerra Contra o Terrorismo» tem sido marcada pela postura hegemónica, unilateral e belicista dos EUA na arena internacional. A nível interno, sob a cobertura da mesma guerra, a administração Bush tem atacado os direitos cívicos de emigrantes e naturais. O general nessa frente é o procurador-geral John Ashcroft e a principal arma é o acto USA PATRIOT[1].
Cerca de um mês depois do 11 de Setembro de 2001, Ashcroft alegava que a aprovação de novos poderes policiais era necessária para prevenir novos ataques, e pressionava o Congresso para aprovar em tempo recorde um pacote legal para aumentar os poderes de vigilância e investigação do governo. Muitos membros do Congresso mal tiveram tempo de folhear as 342 páginas da proposta de lei, cuja versão final apenas ficou disponível horas antes da votação. A proposta incluía inúmeras cláusulas previamente avançadas no contexto da «Guerra Contra a Droga» e rejeitadas pelo Congresso. No clima de ansiedade e urgência gerado pelos ataques terroristas, a Casa de Representantes e o Senado aprovaram o Acto com mínima oposição. O USA PATRIOT conferiu ao procurador-geral poder discricionário para deter estrangeiros suspeitos de ligações ao terrorismo. Centenas de emigrantes foram detidos após o 11 de Setembro, a maioria ascendência árabe e asiática. Os seus nomes e paradeiros não foram tornados públicos, foi-lhes negado acesso a defesa legal, e não foram formalmente acusado de nenhum crime com ligação aos ataques. Cerca de seiscentos for deportados, no seguimento de audiências secretas.Uma outra secção controversa permite a agentes federais penetraram nos domicílios e confiscar objectos pessoais, na ausência do suspeito e sem que este seja alguma vez informado da busca. Em Julho, a Casa de Representantes aprovou uma emenda que anula esta secção do Acto, mas esta terá ainda de ser aprovada pelo Senado e pelo presidente para entrar em vigor. O Acto incluía também um sistema de espionagem civil[2] que encorajava qualquer indivíduo a espiar os seus colegas, vizinhos, ou clientes. Esta medida foi eliminada no Congresso.Contestação internaOutras secções preocupantes continuam em vigor. A secção 215 do Acto aumenta os poderes de espionagem do FBI. Bastando indicar que artigos ou informações pessoais são necessárias para uma investigação de terrorismo em andamento, o governo pode obter arquivos médicos, escolares e financeiros, listas de livros comprados ou consultados em bibliotecas, páginas visitadas na internet, e a identidade de organizações religiosas ou políticas de que o suspeito seja membro. O governo pode inclusivamente exigir de tais organizações uma lista completa dos seus membros. E para cúmulo, uma cláusula nesta secção coloca uma mordaça legal sobre as instituições às quais é requerida informação, que lhes proíbe, para sempre, de informar o suspeito de que foram requisitadas informações a seu respeito.
Dezenas de associações de bibliotecas, incluindo a Associação Americana de Bibliotecas, aprovaram resoluções recusando cooperarem com pedidos de informação formulados ao abrigo do USA PATRIOT. E é significativo que mais de 140 comunidades nos EUA tenham adoptado resoluções críticas do acto USA PATRIOT, nos concelhos municipais ou legislaturas estaduais. A lista incluí três estados (Alaska, Hawaii e Vermont) e cidades importantes como Detroit, Philadelphia e Minneapolis. Em conjunto, comunidades em 27 estados representando mais de 16 milhões de pessoas, criticaram o Acto e impedem os seus serviços policiais locais de cooperar com os pedidos do FBI que violem os direitos cívicos individuais garantidos pela Constituição.
Recentemente, a nova agência Administração de Segurança de Transportes[3], foi forçada a admitir que mantém uma lista de milhares de nomes que considera merecedores de atenção especial nos aeroportos[4]. Esta lista inclui inúmeros activistas políticos e demonstra como os novos poderes alegadamente necessários para combater terrorismo vão sendo usados para combater as divergências de opinião. Ao abrigo do Acto, foi emitida a ordem presidencial que permite ao presidente ou secretário da Defesa classificar um cidadão norte-americano ou estrangeiro como «inimigo combatente», privá-lo dos seus direitos legais, e sujeitá-lo a um tribunal militar. Tal foi aplicado a John Walker Lindh e Jose Padilla, detidos no Afeganistão e Chicago (nos EUA) respectivamente.

1 A lei pública 107-56 recebe o nome USA PATRIOT como abreviatura de Uniting and Stengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism (Unindo e Fortalecendo a América Providenciando Instrumentos Necessários para Interceptar e Obstruir o Terrorismo).
2 Sistema de Informação e Prevenção de Terrorismo - Terrorism Information and Prevention System (TIPS)
3 Transportation Security Administration (TSA)
4 Independent/UK, 3 de Agosto, 2003

Artigo publicado no Avante! Nº1550

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