quinta-feira, junho 17, 2004

Poder e Capital

«Porta giratória» é a expressão usada para descrever o saltitar de pessoas entre postos de governo e empregos no sector privado que previamente regulavam. Dick Cheney, o actual vice-presidente, é um exemplo entre muitos. Cheney foi secretário de Defesa do primeiro presidente Bush. Durante este período, após o fim da Guerra Fria, supervisionou a redução do número de bases militares e do contingente de soldados para o número mais baixo desde a guerra da Correia. Em consequência, explodiu o mercado de firmas militares privadas que providenciam serviços geralmente efectuados pelas forças militares federais. Entre estas companhias está a Halliburton, uma firma petrolífera, mas cuja subsidiária Kellogg Brown & Root (KBR) tem uma longa história de contratos militares com o governo.

Em Agosto de 1992, enquanto Cheney era ainda secretário de Defesa, a Halliburton recebeu o contrato para implementar o Programa de Aumento de Logística Civil [Logistics Civil Augmentation Program (LOGCAP)]1. O contracto quinquenal colocou a Halliburton em posição privilegiada para ser contratada para apoiar operações militares em todo o mundo.

Em 1993, Cheney perdeu o lugar no governo quando Bush perdeu para Bill Clinton. Mas em 1995, sem nenhuma experiência empresarial, Cheney foi contratado como presidente [CEO] da Halliburton. Os seus contactos políticos facilitaram a recepção de empréstimos e seguros bancários, tal como 2,3 mil milhões de dólares de contratos com o governo. Durante o seu mandato, a Halliburton perdeu a renovação do lucrativo LOGCAP para a firma Dyncorp, o que não impediu que a firma recebesse 2 mil milhões de dólares para coordenar as operações logísticas nas bases da NATO na ex-Jugoslávia.

Em 2001, Bush júnior e Cheney entram na Casa Branca. Apesar do óbvio conflito de interesses, Cheney ainda detém acções da Halliburton no valor de 46 milhões de dólares e recebe anualmente 150 mil dólares de um pacote de compensação no valor de 26,4 milhões de dólares. Não foi surpreendente que quando chegou o momento de re-atribuir a LOGCAP, a Halliburton tenha sido favorecida, ganhando desta feita o contrato por dez anos.

Com Cheney na vice-presidência e uma «Guerra ao Terrorismo» sem fronteiras e sem limites, a Halliburton tem lucrado como nunca. Em Abril de 2002, a Halliburton chega ao Uzbequistão e ajuda a preparar a guerra ao Afeganistão. Hoje a KBR recebe 1.5 milhões de dólares por semana para alimentar, lavar a roupa e manter as bases dos EUA no Afeganistão.

A verdadeira bonança para a Halliburton começou porém com a guerra e ocupação do Iraque. Em Março de 2003, antes do início da guerra, a KBR recebeu, sem ter que competir com outras firmas, um contrato de 7 mil milhões de dólares, supostamente para extinguir eventuais incêndios nos poços de petróleo e outros deveres não especificados (que incluem dar à Halliburton controlo dos poços). Um correio electrónico recentemente chegado à imprensa, revela que Cheney teve um papel directo na oferta do contrato2. O Gabinete de Contabilidade Geral [General Accounting Office (GAO)], concluiu que o contrato não estava ao abrigo da LOGCAP e como tal deveria ter sido entregue em concurso público, mas tal foi impedido pelo gabinete do actual secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

A Halliburton3 tem sido o principal beneficiário financeiro da guerra, tendo recebido 18 mil milhões de dólares em contratos para reconstruir a indústria petrolífera e servir as tropas dos EUA. Os contratos militares em 2003 representam um aumento de rendimento face ano anterior de 680%, três vezes superior ao do competidor mais próximo, a Bechtel.

Mas a história da Halliburton é mais do que apenas ter contactos privilegiados no governo e enormes lucros provenientes de guerra. A Halliburton vem estabelecendo um padrão de fraude tirando vantagem do seu quase monopólio na oferta de serviços, incluindo cobrar ao governo 61 milhões de dólares em excesso pelo fornecimento do petróleo, 25 milhões de dólares por refeições, e o triplo do preço por toalhas! A GAO concluiu que a Halliburton fez inúmeras cobranças em excesso, e o Departamento de Justiça está presentemente a investigar o caso. A França está a investigar alegações de suborno do governo da Nigéria por um executivo da Halliburton, para obtenção de contratos de exploração de gás natural entre 1995 e 1999, enquanto Cheney liderava a companhia4. Quinhentas pessoas protestaram em Houston, Texas durante a mais recente reunião de accionistas5. Mas entretanto, a Halliburton continua a lucrar. E o seu protector, e beneficiário, continua a puxar os cordelinhos a partir da Casa Branca.

1 - A Halliburton havia recebido, em 1990, 5 milhões de dólares para esboçar um plano do Programa

2 - Guardian, 1 de Junho 2004

3 - Uma excelente fonte de informação sobre a Halliburton é a HalliburtonWatch

4 - CNN News 1 de Junho

5 - khou.com, 19 de Maio

Artigo publicado no Avante Nº1594

quinta-feira, junho 03, 2004

Carlyle connection

O Grupo Carlyle tem vindo à baila a propósito da privatização de 33 a 48% da Galp Energia. O que é o Grupo Carlyle e como se distingue de outros grupos financeiros? Carlyle é uma empresa de direito privado, que encontra investidores prontos a comprar acções de controlo de empresas em trocas privadas (à margem do mercado público). O lucro é obtido na revenda da empresa, ou partes da empresa, após 3 a 10 anos, por um valor superior ao da compra, em geral no mercado público.
A Carlyle tem investimentos por todo mundo, num valor superior a doze mil milhões de dólares, nas áreas de defesa, telecomunicações, energia, aeroespacial, isto é, em geral áreas que requerem investimento público. Como se tratam de negócios de risco, qualquer informação sobre o futuro do mercado da empresa a comprar é crucial para os investidores. É nesta área que a Carlyle se distingue e tem excelência. Ao integrar na sua direcção e entre os seus consultores, ex-membros de governos e funcionários públicos, a Carlyle é uma das empresas mais bem conectadas, com acesso privilegiado aos círculos internos do poder governante mundialmente, uma forma de «capitalismo de acesso»(1).
A Carlyle foi co-fundada por David Rubenstein, funcionário da administração de Jimmy Carter. A sua transformação deu-se em 1989, com a entrada de Frank Carlucci, que trouxe consigo a experiência de décadas de serviço público (entre os vários cargos que ocupou na sua carreira, incluem-se director deputado da CIA, embaixador dos EUA em Portugal, conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Defesa de Reagan) e inúmeros contactos em Washington. Sob a sua direcção, a Carlyle aproveitou o fim da Guerra Fria e investiu seriamente na área da Defesa. No espaço de 3 anos, controlava a BDM Consulting, United Defense, LTV Corp e Vinnell (a companhia que desde 1975 treina a Guarda Nacional da Arábia Saudita), e torna-se numa das mais importantes firmas contratadas na área de Defesa. E Carlucci trouxe para a Carlyle o ex-secretário de Estado James Baker III.
Baker e Carlucci lograram atrair inúmeros políticos de todo o mundo para posições de direcção ou consultoria, incluindo o ex-president Bush, o ex-primeiro ministro John Major, e o ex-presidente das Filipinas, Fidel Ramos. Entre os consultores contam-se também inúmeros ex-executivos de corporações como a Boeing, BMW e outras multinacionais; ex-banqueiros como o ex-presidente do Bundesbank, Karl Otto Pohl, e o ex-tesoureiro do Banco Mundial, Afsaneh Beschloss. Além disso, membros da direcção da Carlyle detêm postos na direcção de inúmeras outras firmas. Carlucci, por exemplo, está na direcção de outras 32 firmas. Com tamanha equipa de estrelas e ligações, a Carlyle tem uma posição ideal para influenciar as políticas de governos e para receber informações privilegiadas sobre o desenvolvimento do mercado, em particular sobre áreas que venham a receber investimento público e a oferecer (ou cancelar) contratos, e qual o momento ideal para comprar e vender empresas. Estas ligações, por outro lado, oferecem incentivo aos investidores, que vêem na Carlyle um investimento seguro.
Entre os investidores encontram-se os bancos de investimento, seguradoras, fundos de pensões públicas e investidores privados do Brunei, Kuwait e Arábia Saudita. Com o peso e persuasão de Baker e Bush, a Carlyle recebeu mais de mil milhões de dólares em contractos e 80 milhões em investimento directo da família real saudita e outros investidores sauditas(2), incluindo 2 milhões de dólares da família bin Laden que a firma devolveu após o 11 de Setembro como medida de relações públicas.
Com investimentos sobretudo nos EUA, Médio Oriente e Ásia, a Carlyle tem também interesses no mercado europeu, onde a sua estratégia é formar companhias transnacionais que sejam competitivas globalmente. No teatro português, a Carlyle integra o consórcio Luso-Oil, que inclui como parceiros portugueses o BES e a CGD, e que juntamente com os grupos CVC, Viacer e Mello concorrem à compra das acções da Galp Energia. Mas com a ajuda de amigos com influência no governo. O porta-voz da Luso-Oil é Angêlo Correia, presidente da Fomentinvest e ex-ministro da Administração Interna e dirigente do PSD. E o ex-ministro de Negócios Estrangeiros de Durão Barroso, Martins da Cruz, admitiu ter «dado algumas opiniões» sobre a empresa energética à Carlyle(3). Entretanto, a Carlyle deverá ter um reunião em Lisboa para discutir alegações que um dos seus investidores, a Corporação Saudita BinLaden, segue financiando Osama bin Laden(4).

1) The Access Capitalists, por Michael Lewis, The New Republic 18 de Outubro 1993
2) «House of Bush, House of Saud: The Secret Relationship Between the World's Two Most Powerful Dynasties», por Craig Unger, Scribner, 2004
3) Público - Última hora 11 de Maio 2004
4) Portugal New 3 de Abril 2004

Artigo publicado no Avante! Nº1592