segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Nova Administrção Bush

Bush II terminou a sua visita à Europa, mas a sua tentativa de convencer os Europeus de que o seu segundo mandato irá ser diferente, mais multilateral, de maior convergência à Europa, deixa muito a desejar. À medida que se vão preenchendo os quadros da nova administração, tudo indica que será business as usual.
A primeira mudança a atingir os cabeçalhos, ainda antes da inauguração formal da nova presidência, foi a substituição do General Colin Powell (o suposto moderado da administração, o que já de si dá uma ideia de quão predatória era a primeira administração Bush II) pela anterior Conselheira de Segurança Nacional (CSN[1]), Condoleezza Rice. Logo no seu discurso de abertura[2], pejado de alusões ao perigo do terrorismo e ao projecto de democracia evangélica a que já nos habituamos, Rice nomeou como “focos de tirania” a Birmânia, a Bielorússia, a Correia do Norte, Cuba, o Irão e o Zimbabué, deixando antever um programa continuado de expansionismo imperial da influência dos EUA.
Menos atenção foi prestada ao substituto de Rice no posto de CSN, Stephen Hadley. Foi adjunto de Rice na primeira administração Bush II, e assumiu responsabilidade pela alegação falsa de compra de urânio à Nigéria pelo Iraque, que Bush incluiu no seu discurso sobre o Estado da Nação de 2003. Mas o seu “erro”, melhor a sua deferência, foi compensada com a promoção ao círculo mais intimo do presidente. Hadley pertenceu ao grupo conhecido como “Os Vulcanos” (que integrou também Rice e Paul Wolfowitz, adjunto do Secretário de Defesa) e é a favor do programa de defesa anti-mísseis, do abandono do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos de 1972[3] e tem defendido o uso mais generalizado de armas nucleares, como forma de dissuasão contra armas de destruição massiva.
No dia da sua inauguração, Bush II nomeou como CSN adjunto, para o pelouro de democracia e direitos humanos, nada menos que Elliott Abrams. Este expoente do movimento neoconservador serviu a Administração Reagan, onde ascendeu em 1985 ao posto de Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Inter-Americanos. Chegou a ser acusado de ter intencionalmente mentido ao Congresso sobre o seu papel central no acordo de armas Irão-Contra e o da Administração em apoiar os Contra. Acabou por assumir culpa por acusações menores para evitar prisão, e foi perdoado pelo Presidente Bush I, em 1992, pouco antes de este sair do Casa Branca. Durante a sua sabática, Abrams foi incansável no seu trabalho em inúmeros think tanks neo-conservador cristãos. Este fervoroso apoiante de Israel, com historial de profundo desrespeito por líderes islâmicos, será provavelmente o arquitecto da estratégia para o Médio Oriente da nova administração.
Como “coordenador especial” para o Iraque, Rice nomeou o ex-embaixador Richard Jones, ex-embaixador no Koweit e membro da Autoridade Provisória da Aliança ocupante. Segundo documentos chegados ao Representante Henry Waxman, Jones interveio em Dezembro de 2003 para pressionar a Kellogg, Brown and Root, uma subsidiária da Halliburton com fortes ligações ao vice-presidente Richard Cheney, a comprar gasolina da Altanmia, favorecida pelo governo do Koweit, apesar de esta cobrar o dobro do preço de outras companhias. Uma auditoria do Pentágono revelou que a companhia cobrou ao governo dos EUA um excesso de USD$61 milhões.
Por fim, queria assinalar a nomeação de John Negroponte para o novo posto de Director de Inteligência Nacional, que coordenará os trabalhos da CIA, DIA[4] e uma outra dezena de serviços de inteligência. Negroponte foi recentemente embaixador às Nações Unidas, tendo depois sido destacado como embaixador no Iraque. Eis alguém com provas dadas de obediência ao presidente para fazer o que seja preciso. Em 1981, a Administração Reagan foi forçada a substituir o seu embaixador nas Honduras, então Jack Binns, pois este tinha expresso preocupação com a violência das forças de segurança das Honduras, incluindo tortura e assassinatos. Negroponte foi então chamado para ocupar o posto num país que seria central à estratégia dos EUA para a América Central nos anos 80. Durante o seu mandato, de 81 a 85, os EUA apoiaram um regime militar nas Honduras que albergou campos de treino para os Contra na Nicarágua. Neste santuário, os EUA forneceu mantimentos, inteligência, armas e manuais para assassinatos.
O futuro da democracia e dos direitos humanos está em mãos cheias de sangue. A administração pode ter mudado o baralho, mas o jogo segue o mesmo.

[1] National Security Advisor
[2] http://www.state.gov/secretary/rm/2005/40991.htm
[3] Los Angeles Times, 17 de Novembro 2004
[4] O serviço de inteligência do Departamento de Defesa, que tem ultrapassado a CIA em orçamento e peso institucional, durante a liderança de Donald Rumsfeld, em parte por ser mais deferente perante os interesses políticos da administração.

Nenhum comentário: