Após a nomeação de Freitas do Amaral como ministro dos Negócios Estrangeiros, muitos dos analistas mostraram-se preocupados com os seus comentários contra a Guerra no Iraque e a política unilateral de Bush. Teme-se as repercussões de não se assumir uma política externa subserviente aos desígnios do Império, ainda que muitos outros países da UE tenham feito declarações semelhantes. Mas acalmem-se, que Freitas já frisou que «a situação é completamente diferente desde a visita do presidente Bush à Europa”(1). De facto, reina esta fantasia que o segundo mandato de Bush será diferente, mais dialogante e multilateral. Afinal, deram tanto (!) apoio à Ásia após o tsunami; estão a estudar a proposta europeia para negociação com o Irão; fazem uso de pressões diplomáticas, juntamente com a França, frente à Síria. Ainda não invadiram ninguém.
Basta porém ler algo sobre John Bolton, nomeado por Bush para assumir a embaixada dos EUA na ONU (ainda não confirmado pelo Congresso dos EUA) para nos certificarmos que Bush não pretende integrar a comunidade de nações, mas manipulá-la e subjugá-la. Bolton representa uma facção significativa dos EUA que vê na ONU um empecilho e um sorvedor de dinheiro, e é responsável por inúmeros comentários hostis às Nações Unidas: «Quando os EUA lideram, a ONU segue-nos. Quando servir aos nossos interesses, seguiremos a ONU. Quando não servir, não o faremos», ou quando afirmou que o Conselho de Segurança da ONU só precisa de um membro permanente, os EUA, “porque estes são o verdadeiro reflexo da distribuição de poder no mundo”.(2) Bolton apresenta como credenciais diplomáticas opor-se ao Tribunal Criminal Internacional e a negociações com a Correia do Norte, e exigir sanções económicas ao Irão.
Aliás, a administração Bush deu continuidade à sua política de excepção judicial quando no início de Março, numa carta de dois parágrafos de Condoleezza Rice, a secretária de Estado, a Kofi Annan, retirou os EUA de um protocolo opcional da Convenção de Viena de 1969, que estipula que o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o órgão judicial da ONU em Haia, tem a última palavra em casos onde indivíduos presos no estrangeiro alegam ter-lhes sido negado o acesso aos seus representantes consulares. Esta decisão vem no seguimento do caso de Ernesto Medellin, cidadão mexicano condenado à morte no Texas, que pediu recurso ao TIJ. A administração Bush determinou que Medillin e 50 outros mexicanos condenados à morte seriam os últimos a beneficiar deste protocolo. É de assinalar que a meio de Março o Senado mexicano, numa votação de 79 votos a favor e dois contra, aboliu a pena de morte no México.
E que dizer da nomeação de Paul Wolfowitz, outro falcão mor, um dos arquitectos da invasão do Iraque, para o mandado de cinco anos na presidência do Banco Mundial (um cargo que historicamente é apontado pelos EUA)? Com tal nomeação é certo que os interesses financeiro e do capital dos EUA, e as suas ambições imperiais, virão bem à frente da função constitucional do BM em promover o desenvolvimento nos países mais carenciados. Joseph Stiglitz, estado-unidense, prémio Nobel de Economia e ex-presidente do Banco Mundial, numa entrevista recente ao Channel 4(3), alertou que sob a liderança de Wolfowitz «o BM poderá ser de novo uma instituição odiada. Poderá levar a protestos e violência nos países em desenvolvimento». Stiglitz descreve a nomeação de Wolfowitz como «ou um acto de provocação ou um acto tão insensível por forma a ser lido como provocação». Acrescentou que o BM se tornará «um instrumento explícito da política externa dos EUA. Presumivelmente irá liderar a reconstrução do Iraque, por exemplo, o que prejudicará o seu papel enquanto órgão multilateral». E sobre as capacidades de Wolfowitz afirmou que «não tem treino ou experiência no desenvolvimento económico ou mercados financeiros». Estas afirmações contrastam com o editorial de José Manuel Fernandes(4) que parece uma caixa de ressonância da máquina de propaganda norte-americana.
Importa também entender que os ditos «esforços diplomáticos» dos EUA em prol da democracia e segurança não são mais do que um pretexto para a mudança de regime em países que se organizam na sua resistência ao imperialismo. Como haveria a Correia do Norte de negociar com os EUA enquanto estes mantêm como objectivo estratégico o derrube do seu regime? Porque haveria de aceitar o Irão suspender o seu programa energético nuclear e eventualmente um programa de armamento nuclear, quando os próprios EUA desenvolvem novas armas nucleares, proibidas pelo Tratado de Não-Proliferação?
(1) Público, 17 Mar 2005, P.14
(2) Sonni Efron, Los Angeles Times, 8 Mar, 2005,
(3) Telegraph/UK, 20 Março 2005. Durante a presidência de Stiglitz no BM, este recuperou alguma credibilidade no países em desenvolvimento, enquanto verdadeiro promotor de desenvolvimento, em contraste com o FMI. Veja-se o seu livro Globalization and its Discontents (2002) que, embora sempre num contexto capitalista, faz uma crítica do modelo neoliberal e dos programas de reajustamento estrutural e aponta algumas medidas de reforma do BM por forma a torná-lo um motor de desenvolvimento e solidariedade.
(4) Público, 21 Março 2005
quarta-feira, abril 13, 2005
A diplomacia dos EUA
Posted by
André Levy
at
2:11 PM
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Labels:
EUA
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