Há alturas em que lamento não ter tempo e paciência para ver os noticiários televisivos, pois só vendo (nem que seja de raspão) posso ter ideia de como têm abordado determinada notícia (e se a têm abordado de todo). Vem isto a propósito da morte de Gerald Ford, ex-presidente dos EUA, o único que nunca foi eleito, pois foi nomeado vice-presidente de Nixon para substituir Spiro Agnew, depois da demissão deste, e ascendeu à presidência depois de Nixon se ter demitido, antecipando o fecho do impeachment.
Ford deixou a sua marca na história portuguesa. Primeiro, pelo seu papel na Revolução Portuguesa. Há que não esquecer que foi Ford e o seu secretário-de-estado Henry Kissinger que em Janeiro de 1975 nomearam como embaixador para a jovem democracia um agente da CIA, Frank Carlucci. “A CIA e Carlucci [foram] de facto verdadeiros estrategos do processo contra-revolucionário, do combate à Revolução de Abril e ao PCP.” [in Álvaro Cunhal. 1999. A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se). Edições Avante!] A CIA teve participação activa na preparação do golpe de 28 de Setembro. O seu então vice-director, Vernon Walters, encontrou-se no Agosto precendente com inúmeros representantes da extrema direita, e também naturalmente com Mário Soares, entendido pela CIA como a melhor aposta para contrariar o PCP. O PS (e outros partidos de direita) terão recebido somas de dinheiro para contrariar o rumo revolucionário. A CIA interferiu ainda no processo de descolonização ao apoiar a FNLA de Holden Roberto e a UNITA de Jonas Savimbi, tentando evitar a proclamação de independência pelo MPLA na data prevista de 11 de Novembro de 1975. Não esquecer também que a NATO, sem dúvida por influência dos EUA de Ford, tenha feito pressões e ameaças militares, por exemplo, com a exibição de navios de guerra no porto de Lisboa após a derrota do 11 de Março, ou a contínua presença de navios de guerra em águas portuguesas durante o verão quente. Carlucci foi responsável pela criação da Brigada Nato, uma secção das forças armadas portuguesas mas com uma ligação mais íntima com a NATO, i.e., sob o controlo externo, longe da influência dos militares de Abril. Carlucci revelou mais tarde que a ideia era “restaurar o sentido do profissionalismo dos militares, fazê-los regressar aos quartéis, e ao mesmo tempo aproximá-los da Europa e tirá-los da política” (ob cit.).
Segundo, pelo seu papel na invasão Indonésia de Timor Leste. A Indonésia já vinha desenvolvendo o seu plano militar de invasão com um ano de antecedência, e os EUA estavam a par. Em Julho de 1975, o Conselho de Segurança Nacional (National Security Council) informou Kissinger e Ford dos planos Indonésios. Suharto levantou o assunto quando visitou os EUA em Julho. E em Dezembro, quando Ford se encontrou de novo com Suharto, na Indonésia, já o CSN, a CIA e outras agências de inteligência concluíam que a invasão estava iminente. Só o receio que os EUA desaprovassem e suspendessem o apoio militar levou ao adiar da invasão. Assim que Ford saiu da Indonésia, deu-se a invasão de Timor Leste. Ford foi dali para Guam, e foi sempre recebendo informações sobre a ocupação. Em Guam, por ocasião do aniversário do ataque a Pearl Harbor, afirmou que nunca mais os EUA iriam permitir um ataque a uma nação indefesa. Mas naquele preciso momento, as tropas indonésias, treinadas nos EUA, usando armas estadunidenses, saltando de aviões estadunidenses, ocuparam a cidade de Dili, e mataram milhares de pessoas nos primeiros dias do ataque a 7 de Dezembro de 1975.
quarta-feira, janeiro 03, 2007
Memorial a Gerald Ford
Posted by
André Levy
at
3:42 PM
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EUA,
Portugal,
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