terça-feira, fevereiro 24, 2009

«Poder económico, direitos dos trabalhadores, desigualdades sociais e liberdades democráticas»

No passado dia 13 teve lugar um encontro promovido pelo PCP, sobre «Poder económico, direitos dos trabalhadores, desigualdades sociais e liberdades democráticas», que contou com a intervenção de Odete Santos, Pedro Carvalho, dos Profs. Jorge Leite e Manuela Silva, e do Secretário Geral do PCP, Jerónimo de Sousa.

As intervenções centrais estão agora disponíveis no YouTube. Coloco aqui apenas o vídeo do princípio da intervenção do Jerónimo (cujo texto completo está disponível na página do PCP), mas poderão encontrar links para o final desta intervenção, assim como das restantes intervenções centrais, no YouTube usando a palavra-chave «povounidovencera».


segunda-feira, fevereiro 23, 2009

140 anos da abolição da escravatura em Portugal


Assinala-se hoje, a 25 de Fevereiro, os 140 anos da proclamação (em 1869) da abolição da escravatura em todo o Império Português. A escravatura havia sido abolida, pelo Marquês de Pombal, durante o reinado de D.José I, a 12 de Fevereiro de 1761, mas apenas na Metrópole e na Índia. Mas só após um decreto de 1854 é que os primeiros escravos, os do Estado, foram libertados, e mais tarde os escravos da Igreja pelo Decreto de 1856. Foi o decreto de 1869 que proclamou a abolição em todo o território português, pondo-lhe fim definitivo apenas em 1878:

"Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia da publicação do presente decreto.

Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos o deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 19 de Dezembro de 1854."

Embora Portugal possa honrar-se por ter sido dos primeiros Estados abolicionistas, tal não o absolve da responsabilidade de ter sido o primeiro Estado a fazer comércio global de escravos vindos de África, e de durante largo período ter sido um dos principais traficantes de escravos. Portugal teve um papel central no que deve ser encarado como um dos maiores crimes da história da civilização ocidental: a massiva deslocação de seres humanos (com as centenas de milhares de mortes decorridas durante as viagens) com o fim de serem vendidos e usados como meros objectos de trabalho. Estima-se que entre 1450 e 1900, mais de 11 milhões de Africanos foram sujeitos ao comércio de escravos trans-atlântico. Portugal terá sido responsável por mais de 4.2 milhões (ver). E estes são os que sobreviveram os raids na costa africana, e a passagem trans-atlântica. Segundo o relatória da UNESCO, de 1978, sobre a escravatura:

«[Considerando] factores como as perdas durante a captura, transporte terrestre, e mortes durante a passagem marítima, as mortes Africanas durante os quatro séculos de tráfego de escravos Africanos terá sido na ordem dos 210 milhões de seres humanos.»
Nesta questão, é para mim é irrelevante que tenham havido outras civilizações com escravos, que algumas tribos Africanas colaboraram com os colonizadores na captura e venda de escravos. Foram os países coloniais que tornaram a escravatura num comércio global de larga escala. Que estabeleceram colónias dependentes do trabalho escravo. Que geraram, por assim dizer, a oferta e procurar da carne humana. Portugal montou um comércio de plantação cana e refinação de açúcar, na Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Brasil, assente e dependente do trabalho escravo.

É justo também referir que o papel pioneiro de Portugal na abolição da escravatura não se deveu a um avanço do seu nível da sensibilidade pelos direitos humanos dos Africanos. Nos séculos XVII e XVIII, Portugal já não era a grande potência de outrora. Em 1822, o Brasil, um dos principais destinos da rota de escravos transportados por Portugal, deixa de ser uma colónia portuguesa, e reforça as suas trocas comerciais (incluindo de escravos) com outros países. Há conta deste comércio, o segundo país em termo de população de descendência Africana do Mundo, a seguir à Nigéria, é o Brasil: números oficiais indicam que 45% da população do Brasil (cerca de 190 milhões ao todo) têm descendência Africana. Isto é Portugal, tomou esta decisão por, em termos económicos, já não ser um comércio onde fosse "competitivo" e por estar sujeito a pressões por partes dos seus rivais para se remover desse mercado.

Mais triste que este passado, é haver ainda comércio de escravos, a outra escala, nomeadamente no Brasil, e haver esta outra forma de "escravatura" generalizada e inerente ao sistema capitalista, que sob a máscara da palavra «liberdade» reduz a maior parte da população mundial à condição de ter de vender a sua força de trabalho para poder sobreviver.



quinta-feira, fevereiro 12, 2009

200 anos do nascimento do Darwin

No dia 12 de Fevereiro comemorou-se o 200º aniversário do nascimento de Charles Robert Darwin, autor da Origem das Espécies, e um dos mais significativos biólogos e cientistas da história. A 24 de Novembro deste ano farão 150 desde da primeira publicação dessa obra.
Escrevi um pequeno texto sobre a importância das comemorações Darwin em Portugal no blog Cinco Dias, onde chamo particular atenção para a falta de ensino da biologia evolutiva nos programas no nosso ensino básico e secundário.
Para informações sobre os eventos comemorativos nacionais e outras informações consultem o sítio biologia-evolutiva.net.
Eu próprio irei dar uma palestra sobre Darwinismo e Marxismo no Espaço Cultural Vitória, no dia 26 de Fevereiro, no âmbito do Programa de Iniciativas Culturais promovidas pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP. Nesse evento, focarei o contexto histórico de Darwin e outras figuras, como o Reverendo Malthus que teve alguma influência sobre o pensamento biológico (não político) de Darwin, e a sobre a forma como as suas ideias foram recebidas por Marx e posteriores Marxistas.
No dia 12, tive o prazer de encarnar a figura de Darwin durante a inauguração da exposição «A Evolução de Darwin» organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, e que estará na Praça de Espanha, em Lisboa, até o dia 24 de Maio. Recomendo vivamente a exposição. Além de uma excelente exposição e forma de aprender sobre Darwin, evolução e biologia em geral, trata-se de uma exposição que me causa algum orgulho nacional (sentimento que não me é frequente), pois é a maior exposição sobre Darwin no Mundo, em termo de área e diversidade de temas e objectos, que vão desde moldes de animais no seu habitat e do Darwin em jovem, até formas multi-média muito bem integradas (há uma animação de uma transformação gradual de um esqueleto humano em esqueleto de cavalo), até animais e plantas vivas (incluindo orquídeas, uma grande paixão de Darwin, e plantas trepadeiras, que estão a ser fotografadas periodicamente, permitindo visualizar num computador próximo o seu rápido crescimento e movimento). Abaixo coloco uma foto minha (em forma Darwin) juntamente com o paleontólogo Octávio Mateus.

domingo, fevereiro 08, 2009

«Lindos Dias» no NEGÓCIO/ZDB

Lindos DiasTexto Samuel Beckett | tradução João Paulo Esteves da Silva | apoio à dramaturgia Miguel Castro Caldas | encenação Bruno Bravo | interpretação Raquel Dias, Gonçalo Amorim | cenário Stephane Alberto | figurinos Ana Teresa Castelo | assistente de encenação Ricardo Neves Neves | direcção de Produção Mafalda Gouveia | produção Primeiros Sintomas | co-produção Galeria Zé dos Bois

De 4 a 21 de Fevereiro de quarta a sábado às 21:30 no NEGÓCIO/ZDB, Rua do Século 9, Lisboa
Tel: 213 430 205
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Há meses que não ia ao teatro, um dos meus grandes prazeres. Finalmente, tive oportunidade de ir ver a estreia de «Lindos Dias». Que grande re-entrada. Beckett não um teatro fácil, de encenar, de interpretar. Mas Bruno Bravo já havia demonstrado grande competência, sensibilidade e sucesso com «EndGame», que ganhou o Globo de Ouro em 2004.

«Lindos Dias», estreado em em 1962, corresponde a um período semelhante ao de «À Esperan de Godot (1953) e «Endgame» (1957): o período pós-guerra, em Beckett vivia em França (à semelhança do seu amigo e irmão-intelectual James Joyce). Peças despidas de artificialismos teatrais, de um simplicidade de diálogo extrema, e sem ambições de grande subtexto, colocando (poucas) personagens, de interioridade quase oca, a interagirem num mundo indescrito, tentando sobreviver num mundo incompreensível, desesperante sem ser violento.

A peça centra-se na personagem de Winnie, que surge primeiramente enterrada até à cintura num pequeno monte relvado, tentando preencher o seu dia com pequenas actividades rotineiras, e com uma interacção, pouco reciprocada, do seu companheiro Willie, que no primeiro acto se encontra por detrás do monte, e apenas se ouve (raramente) do qual se vêem apenas pequenos traços. Winnie tenta sobrepor-se à sua prisão, com óbvio esforço, entretanto-se com os objectos da sua mala, procurando reacções de Willie, citando trechos de poesia, cantando. Mas o desespero acaba por atingí-la recorrentemente. Mas estas fases vão sendo ultrapassadas com pequenos incidente que ela toma como "grande benesses": um grunhido de Willie, o sol, uma pequena formiga. Vai passando o seu tempo com recordações e interrogações de pouca importância, como o que entender exactamente o que está escrito na sua escova de dentes. Durante o primeiro actos, a comédia equilibra o desespero com a comédia dos pequenos nadas.

A atmosfera torna-se substancialmente mais trágica no segundo acto, em que Winnie surge já enterrada até ao pesoço, e portanto sem uso dos seus braços, incapaz de se entreter com as antigas rotinas, que preenchiam antes o seu dia. Sobre-lhe apenas a palavra. O esforço de Winnie para manter os espírito é palpável, e sentimos de forma mais intensa a sua dificuldade em extrair prazer do que a rodeia, da memória, da palavra. Mas Winnie logra manter ainda um resquício de esperança. Delira com o aparecimento à sua frente (e em plena visão do público) de Willie, que em movimentos lentos tentar acariciar Winnie (ou assim entende ela) ou agarrar o revolver que Winnie havia sacado da mala anteriormente, e pôr assim fim ao seu desespero.

A peça é em largamente soportada pela figura de Winnie, que assume a larga maioria do texto ao longo da peça. Raquel Dias faz um trabalho incrível, subtilmente oferecendo o desespero e o ânimo (ingénuo), natural e humano num situação sem perspectiva de uma saída positiva, que não oferece aos olhos do espectador qualquer esperança. O seu trabalho no segundo acto é notável, pois neste faz apenas uso da cara, como se houvesse um grande plano sobre a sua cara (invocando o filme «Caras» de John Cassavetes). Com recurso apenas à expressão facial e à voz, com grande elasticidde e criatividade, Raquel Dias continua a transmitir toda a subtileza das mudanças de humor de Winnie.

A tradução de João Paulo Esteves da Silva retém não só a simplicidade e universalidade do texto de Beckett, como logra introduzir pequenos elementos que tornam o texto muito português.

Embora Beckett rejeitá-se quaisquer interpretações simbólicas do seu texto cru, cada espectador não pode deixar de reagir e ir criando relações com a sua experiência pessoal. Para mim, o texto ganhou especial relevância por estar em cena num momento em que Portugal (e o Mundo) enfrentam uma histórica crise económica e social, em o desespero e a falta de esperança proliferam, e encontrava na atitude de Winnie grande paralelos como os portuguêses vão tentando manter algum ânimo, alguma esperança, embora não vislumbrem uma saída próxima para crise e suas dificuldades. O facto de esta louvável encenação ter lugar num espaço alternativo, de condições limitadas, é por si só uma illustração das dificuldades que os profissionais das artes do espectáculo entrentam para pôr peças de qualidade em cena. É uma peça que merecia outras condições e outra capacidade de lotação, e conforto para os espectadores. Mas infelizmente, os grandes palcos estão monopolizados por peças de outra natureza, com outros objectivos, não o de provocar e estimular o espectador a pensar e sentir, o de ofereçer uma experiência teatral sem artifícios, mas centrado na qualidade do texto e dos actores. «Lindos Dias» merece ser visto e recomenda-se.

sábado, fevereiro 07, 2009

Acordar a meia da manhã

Calçar os sapatos.
Primeiro, há que calçar as meias.
Onde está a outra?
Só uma não me serve de nada.
Uma, ou Meia?
Há de ser Uma.
Diz-se "par de meias".
Duas Meias são uma Unidade.
É matemático.

Há o par de calças.
Esse par é só Um.
Um par para duas pernas.
Duas Meias são só Um par.
Uma Meia é Um.
Um par de Meias.

Onde está a outra?
Só uma não me serve de nada.
Às vezes trocam de par.
Por distracção.
Para variar.
Desemparelham-se e volta a emparelhar-se.
E anda à roda.
São todas tão parecidas.

Às vezes desaparece uma metade do par.
Acontece. Demasiado.
Para onde vão, não sei.
Estão no vácuo.
Em protesto.
À espera da cara metade.
Da Meia metade.

Onde está a outra?
Só uma não me serve de nada.
Meio par de Meias não me serve para nada.
Olha, uso outro par.
Hoje, troco de Meias.