domingo, novembro 08, 2009

Abu Rayan Biruni

Felizmente já vem sendo cada vez mais reconhecido que os livros de história ocidentais (gerais e mais específicos, como os livros da história da ciência) são profundamente eurocêntricos. Basta pensar que nós Portugueses ainda nos louvamos como grandes descobridores mundiais por termos aberto os caminhos marítimos para a Índia (a partir da Europa), apesar de estas rotas serem posteriores a um comércio marítimo intenso entre a África Ocidental, a Índia e a China. Embora reconhecido em meios académicos, é ainda largamente ignorado o papel das civilizações avançadas da África do Norte e Médio Oriente não só no desenvolvimento da Ciência e Filosofia como na preservação de muitos dos textos clássicos da cultura Europeia, como os textos dos filósofos da Grécia antiga e o Novo Testamento. Esta ligação assume por vezes contornos surpreendentes. O Ayatollah Komeinei, o grande líder espiritual da revolução Iraniana era, academicamente, um profundo e reconhecido estudioso de Aristóteles. O nosso eurocentrismo colonialista continua ainda muito presente na ignorância generalizada da história de África e das suas populações antes do período colonial. Enquanto que a história das grandes civilizações da América do Sul e Central (e.g., os Incas, Maias, Azetecas) já se implantaram no nosso conhecimento (ainda que por vezes superficialmente), temos ainda um grande desconhecimento das civilizações e etnias Africanas, apesar dos trabalhos desenvolvidos durante a segunda metade do século XX, sobretudo por Africanos ligados aos Movimentos de Libertação Nacional, que vieram estudar para a Europa, e que estudaram a história pré-colonial africana. A nossa ignorância, e mesmo desinteresse por essa história, vez com que esse continente fosse divido pelas potências europeias de fora totalmente desligada da realidade cultural no terreno. Semelhante ignorância existe relativamente ainda em relação a outras regiões. Basta pensar nas dificuldades enfrentadas pelas tropas estadunidenses ocupantes do Iraque, pela sua incompreensão da existência de duas correntes islâmicas, os xiitas e sunitas. Ou os problemas enfrentados pelas agências de inteligência por não se terem dado conta atempadamente da necessidade de ter quadros letrados em Farsi, pensando eles que no Médio Orientes, todos falavam Árabe.

Tudo isto a propósito de algum reconhecimento também da minha própria ignorância. Enquanto cientista, sou familiar com os grandes pensadores e cientistas europeus, desde os gregos (Platão, Aristóteles, Arquimedes) até cientistas como Copérnico, Galileu, Newton. Mas que nomes de pensadores e cientistas de outras regiões conheço? Cruzei há meses com o nome de Abu Rayan Biruni, um persa residindo no que é agora a região ocupada do Afeganistão, e que viveu entre 973 e 1048.

Vejam só a abrangência e alcance do seu conhecimento e trabalho, tocando em áreas que na cultura ocidental surgiram só muitos séculos depois. Foi físico, antropólogo e sociólogo comparativo, astrónomo, um crítico da alquimia e astrologia, um historiador, um geógrafo e geólogo, um matemático, um farmacêutico e psicólogo, um teólogo e filósofo Islâmico. Estudou a cultura da Índia, sendo o fundador da Indologia. Foi um dos primeiros cientistas a reflectir sobre o método científico e por introduzir o método experimental na mecânica, mineralogia e psicologia.

Ao longo da sua vida publicou 146 obras, incluindo 25 livros sobre astronomia, 4 sobre astrolábios, 23 sobre astrologia, 5 sobre cronologia, 2 na medição do tempo, 9 sobre geografia, 10 sobre mapeamento, 15 sobre matemática, incluindo aritmética (8), geometria (5) e trigonometria (2), 2 livros sobre mecânica, 2 sobre medicina e farmacologia, 1 sobre meteorologia, 2 sobre mineralogia e joias, 4 sobre história, 2 sobre a Índia, 3 sobre religião e filosofia, 2 livros sobre magia, e 16 obras literárias. Apenas 22 obras sobreviveram, e só 13 estão publicadas.

Não será pois de surpreender que Georges Sarton, o pai da moderna história da ciência, descreva Birun como "um dos grandes cientistas do Islão, e um dos maiores de todos os tempos", ou que Abdelhamid Sabra o aponte como "uma das grandes mentes científicas da história".

É sem dúvida um nome que convém conhecer e reconhecer. Mas que me compele (e penso nos deve compelir a todos) a aprender a história (universal ou da ciência) também através dos olhos de historiadores de outras regiões. Creio que isso não só nos traz uma maior apreciação dessas culturas e do alcance universal das populações humanas, como nos compele, enquanto europeus, a uma postura de maior humildade face a outras civilizações.

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