Atingido um ponto de exaustão física e mental em final de Março, felizmente chegou a Páscoa e uma viagem prometida pelo meu Pai há um tempo ao Brasil. O destino foi Manaus, no Estado da Amazónia, onde tem estado a trabalhar um bom e velho amigo (de há 20 anos) e colega Biólogo, o Gonçalo Ferraz. Pude assim combinar uma confraternização familiar com o meu Pai (compaternização?), que por culpa minha não vejo nem falo com a devida frequência enquanto estamos em Lisboa, uma visita a um querido amigo, a minha primeira visita à América do Sul, e logo ao Estado da Amazónia. Em Abril, é a época da chuva, pelo que faz calor e um grande humidade. (Foi durante a nossa estadia que ocorreram os desabamentos em Niterói, que à semelhança dos da Madeira poderiam ter sido evitados com outra gestão urbana: a favela foi construída em cima de uma antiga lixeira, sendo previsível o desabamento; e 2.6 mil milhões de reais de complemento à urbanização não foram usados para a limpeza e melhoramento urbano de Niterói.) FOTOS
O primeiro dia foi passado a visitar Manaus – cujo nome deriva de Manapis, a mãe dos deuses, na linguagem da tribo nativa da região, os Manaós – com uma visita pela o centro histórico (incluindo o Mercado, o Teatro Ópera). A tarde, chuvosa, a visita teve de ser em ónibus, em torno da cidade. Mas tal permitiu ter uma visão global da cidade, incluindo ouvir umas histórias curiosas, como a da "Igreja do Pobre Diabo", a mais pequena igreja reconhecida pela Vaticano, onde cabem apenas 15 pessoas e que celebra missa apenas no dia de Sto. António. Consta a história que por detrás da igrejinha vivia um padeiro, português claro, que de muito forreta afugentava os mendigos clamando "Vai-te embora, seu pobre diabo!". Quando o padeiro adoeceu, sua esposa rezou a Sto. António prometendo-lhe que construiria uma igreja em seu nome se o seu marido se cura-se. Ele curou-se (embora não sei que papel o Sto. António tenha tido) e ela mandou construir a igreja que o dinheiro lhe permitia. Embora lhe tenha dado o nome de Igreja de Sto. António, ela ficou conhecida como a do "Pobre Diabo" em memória do forreta do português.
Deu também para vislumbrar quão grande se tornou Manaus. Historicamente uma cidade porto ligada ao comércio da borracha, a cidade sofreu uma queda demográfica no início do século XX com a competição da borracha produzida na Ásia. Nas últimas 3 décadas, com a instalação de uma zona franca industrial, a cidade voltou a crescer demograficamente, passado de 800 mil para um milhão e 800 mil pessoas (a 8ª mais populosa do Brasil). A cidade cresceu desmedidamente e desordenadamente, com zonas extensas de bairros pobres. O Estado da Amazónia está porém a procurar o realojamento para novas zonas habitacionais e recuperar a zonas de ocupação irregular. Mais fora da cidade, convenientemente perto do quartel militar, encontram-se a zona onde vive a fracção mais rica da população.
Embora não tenha visto a zona industrial, composta sobretudo por fábricas de montagem de transnacionais do sector electrónico e automóvel, os números são notáveis: trata-se da cidade do Brasil com o 7º maior PIB, contribuindo 1.4% para a economia do país. Na economia legal – pois a economia paralela abunda: não se pode passar num cruzamento sem ver meia dúzia de pessoas a vender fruta ou outros produtos – 42% dos trabalhadores estão ligados à indústria. Na zona franca encontram-se companhias como a Yamaha, a Honda (que produz 7 mil motos por dia) e a única fábrica fora dos EUA da Harley Davidson. O segundo sector mais importante é o comércio e serviços, e de seguida o turismo.
No dia seguinte, parti para a aventura, para a floresta amazónica, em particular para uma estação do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) onde o Gonçalo estava a dar os primeiros dias de um curso intensivo de Ecologia de Populações a uma turma de mestrado de Ecologia. A turma já lá se encontrava, de forma que fui de Jeep com um funcionário do INPA, o seu filho e um vizinho. Felizmente. Para lá chegar andámos 65km na estrada transamazónica, a BR 174, que vai de Manaus até Carácas (2250 km), e depois entrar por um estrada de terra pora dentro da floresta e percorrer 41km de buracos, fossas e lama escorregadia até à estação (referida como a "41" - quem quiser espreitar no Google Earth, as coordenadas são 2°26'56.13"S, 59°46'12.80"W). A novela começou logo com a entrada na floresta. O Jeep tinha a tracção às 4 rodas estragada, e demorámos uns 20 minutos até para chegar ao topo da primeira subida, ou ladeira. Passados dez minutos, confrontá-mo-nos com uma dúzia de árvores que tinham tombado sobre a estrada. Felizmente havia uma serra eléctrica e catana, e lá desbravámos caminho. A meio do percurso, a tracção deu de si, e tal era o chuvisco e o estado do terreno, que o condutor preferiu caminhar 20km até à estação para regressar com outra viatura. Eu cá estava entretido, e o tempo de espera não foi perdido. Encantado, andei para trás e diante encantado com a densidade vegetal, a diversidade de fungos, a exuberância dos insectos (alguns dos quais conhecia apenas de livros), a sonoridade das aves (que raramente se vêem ou quando se vêem apenas se distingue o recorte, pois a luminosidade era fosca; mas durante um período mais ensolarado, vi um casal de Araras azuis (Ara ararauna) passar, com o azul das penas muito nítido. Fiquei boquiaberto ao ver uma teia de aranha em forma de cone, com certa de 2 metros de altura, entrelaçando várias plantas, na qual se moviam centenas de pequenas aranhas (uma colónia ou os prole recém-eclodida).
Passado umas 4 horas lá chegou a outra carrinha. Por essa altura, já o terreno tinha secado e o nosso jeep já conseguiu subir a ladeira sozinho. Ao anoitecer cheguei à estação. O dias seguintes foram intensos, sobretudo para os alunos, que acordavam às 4:30 para se porem nos trilhos e anotarem, com base nos cantos, a presença de 6 espécies de ave. Às 8 de regresso à estação, para uma aula teórica às 10. As refeições eram um fartote (arroz, feijão, massa, salada, frango e/ou peixe frito). Podia dizer, como os estudantes que ali estavam, que há muito não comia tanto e tão regularmente. À tarde tinham aulas práticas e depois tinham que trabalhar num ensaio e ler os artigos para o dia seguinte. E trabalhavam quase sem parar, sob um calor húmido, até se desligar o gerador eléctrico às 10 horas. Eu entretive-me durante o dia a passear pelos arredores, a assistir às aulas do Gonçalo, a acompanhá-lo nas conversas individuais que tinha com os alunos ("as confissões") no sentido de os orientar para um pergunta concreta a desenvolverem no ensaio. Foi naturalmente um prazer estar no meio da floresta, mas tive igualmente muito gosto em partilhar da experiência da cadeira e apreender com a experiência pedagógica do Gonçalo.
(a continuar)
quinta-feira, abril 22, 2010
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Um comentário:
É pá! Gostei mesmo de ler este "post". Por ti e por tudo o que lá está.
Um abraço
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