terça-feira, março 01, 2011

O sentido de «democracia»

Este curto comentário não vem a propósito da situação nos países Mediterrâneos e a desconfiança dos países da NATO, ex-colonizadores e/ou imperialistas na região, na capacidade desses povos poderem democraticamente escolher os seus líderes. É uma visão ofensiva e paternalista, sem cabimento.


Este comentário é sobre a visão de democracia no ocidente, onde o "poder do povo" se vê reduzido ao acto eleitoral. Onde eleitores vêm esgotado no momento do voto o seu dever político democrático. Onde alguns eleitores, face ao escrutínio de umas eleições, sentem que devem aceitar os ditames do dirigentes, pois foram eleitos. Onde mesmo em associações sociais, no caso de divergência de opiniões, alguns dos membros encaram como natural votar-se e adoptar-se a decisão maioritária, em vez de construir um compromisso ou consenso.

A verdadeira democracia, ao nível de uma país ou organização, pode tomar diferentes formas. A democracia não é fácil. Não se pode limitar ao voto. Exige participação, reflexão, respeito e atenção pelas opiniões e interesses das várias partes. Exige trabalho e envolvimento, e é portanto antagónico com a posição dos que se desresponsabilizam após a execução do voto. Uma organização em que não ocorram votações sobre estratégia ou tomadas de posição pode ser mais democrática, ainda que havendo à partida diversidade de opiniões, que uma em que votações sejam frequentes.

A "tirania" da maioria pode mesmo ser um impedimento à realização de uma democracia genuína. Sobretudo ao nível de Estados em a democracia é entendida apenas como democracia política. A existência de desigualdades económicas, sociais, culturais, de acesso aos meios de comunicação social pode cancelar a viabilidade da democraticidade de votações.

A Constituição da República Portuguesa, apesar das revisões ainda imbuída do espírito da Revolução de Abril, prevê um democracia nas suas várias vertentes, e uma democracia participativa. A demissão das obrigações de cidadania por parte dos eleitores (e jovens de idade pré-eleitoral) é um factor destrutivo de uma verdadeira democracia.

Dirão, mas não sendo possível um consenso, um diálogo conducente a um compromisso, como resolver as diferenças? Só com eleições. Eu vejo nesses impasses precisamente um reflexo de desigualdades e de postura pouco democrática. Não quero com isto implicar que todos têm de ter a mesma opinião. Mas que, primeiro, devem existir condições de paridade na discussão; e segundo, abertura para considerar as opiniões e interesses de outros, em particular das eventuais minorias. Dadas estas condições, mesmo dada a incapacidade de se chegar a uma saída de agrado para todos, é possível chegar a uma solução que não atente os direitos de qualquer das partes. No caso de uma organização, um membro é sempre livre de demitir-se da organização, e eventualmente formar outra. No caso de um Estado, um cidadão nunca perde o seu direito de opinião e persistir na sua acção política e participação e intervenção na vida civil.

O que a mim me faz impressão é a opção automática da via eleitoral no caso de falta de consenso, como se democracia e eleições fossem sinónimos. A falta de cidadania e participação no social, por se estar demasiado envolvido na vida pessoal, e só se querer contribuir para a democracia nas ocasionais eleições. A falta de reconhecimento que diversas desigualdades pouco importam, porque cada um de nós tem direito a um voto. E que o resultado do escrutínio é incontestável, soberano e analgésico da participação activa, quotidiana, na vida social.

Um comentário:

Vtrain disse...

Clap clap :)
principalmente o ultimo paragrafo...