sábado, agosto 28, 2004

Voto Electrónico: Contar e Recontar

A Organização para Segurança e Cooperação na Europa(1) irá enviar observadores para monitorizar as eleições presidenciais nos EUA, em Novembro. As eleições do ano 2000 foram pejadas de falhas e falcatruas, incluindo, na Florida, o arranjo malicioso dos candidatos no boletim de voto e a exclusão de milhares de eleitores, sobretudo negros que votam maioritariamente pelo Partido Democrata(2). Muitos dos problemas persistem.
Desejando prevenir novo debáculo eleitoral, vários legisladores democratas pediram às Nações Unidas o envio de uma delegação de observadores. Colin Powell, secretário de Estado, após forte oposição na Casa de Representantes, não enviou o necessário convite à ONU, mas convidou a OSCE a observar as eleições. Este grupo teve oportunidade de acompanhar as eleições na Florida no ano 2002, tendo emitido um relatório revelando inúmeros problemas.
Em 2000, uma parte da batalha pela presidência teve lugar nos tribunais. A decisão de 5-4 no Tribunal Supremo Federal, ordenando o fim da recontagem de votos, deu a presidência a George Bush. O candidato democrata John Kerry contratou já vários advogados especificamente com vista a possíveis disputas legais em torno da contagem de votos.
As eleições na Florida em 2000 foram também marcadas pela imperfeição dos votos perfurados. As imagens de oficiais tentando manualmente discernir boletins parcialmente perfurados reflectiram as falhas dessas eleições, mas também a importância de cada voto. Os problemas associados ao voto perfurado levaram vários estados a investirem em novos métodos de voto. A forma de voto escolhido pela maioria dos Estados foi o voto electrónico.
Testes independentes impedidosA 2 de Novembro, cerca de 5/6 dos eleitores irão votar para as presidenciais em sistemas de voto com registo electrónico directo (DREs) (3), máquinas semelhantes a um multibanco. Esta forma de voto tem recebido inúmeras críticas por parte de legisladores e peritos em ciências da computação. A maioria das DREs empregues nos EUA são produto de duas companhias privadas, Diebold e Election Systems & Software (ES&S), ambas com ligações a figuras do Partido Republicano.
O software das máquinas não está acessível a testes independentes, pois as companhias alegam necessidade de protecção do segredo do seu código de programação. Os resultados proporcionados por uma máquina electrónica de voto podem divergir do verdadeiro resultado, devido a erros na programação, por manipulação introduzida propositadamente no software ou por interferência remota malévola, como um vírus.
Vários incidentes recentes com máquinas da firma Diebold demonstraram que o risco de erros de contagem é genuíno. Uma análise dos resultados das eleições primárias na Florida, neste passado Março, pelo jornal Sun Sentinal, revelou que um em cada cem votos não foram registados pelas DREs, um erro oito vezes superior ao erro por leitura óptica de votos em papel executado nas mesmas eleições noutras freguesias. Estas máquinas não produzem um boletim de voto impresso, o que impede uma recontagem manual dos votos independente da contagem electrónica.
Alguns grupos prevêem que 30 por cento dos votos nas eleições de 2004 não poderão ser verificados ou recontados, caso tal seja necessário. Mas mesmo o registo físico do voto só seria útil caso a margem de votos fosse pequena, levando à recontagem de votos. Em alguns modelos de DRE, o eleitor faz uso de um cartão com fita magnética. Um estudo do Johns Hopkins demonstrou que estes cartões são fáceis de replicar e alterar por forma a depositar múltiplos votos sem deixar indícios. A existência de múltiplas oportunidades para fraude para o qual ainda não se desenvolveram defesas apropriadas, associada à ausência de abertura por parte das produtoras das DREs, levaram alguns círculos eleitorais a banir o uso de DREs(4).
Os problemas com o voto electrónico aplicam-se também a Portugal. Nas passadas eleições europeias, nove freguesias e mais de nove mil eleitores fizeram uso do voto electrónico. A Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento – que promoveu a iniciativa – reclama uma resposta muito positiva(6). Contudo nenhuma referência é feita aos potenciais problemas associados a esta forma de voto. Nenhuma das máquinas providências pela Indra, Multicert/PT e Inovação Unisys produzem registo do voto em papel. Uma discussão aberta desta forma de voto é necessária.

1) Organization for Security and Cooperation in Europe - http://www.osce.org
2) Por exemplo, o Estado da Florida em 2000 contratou uma companhia privada para compilar uma lista de ex-presos a serem privados de direito de voto. Esta lista incluía milhares de nomes de presos cujo direito de voto havia sido restaurado e de pessoas que nunca haviam sido presas. Estas listas mal foram actualizadas. Recorde-se que a diferença oficial entre Bush e Gore na Florida foi de apenas 350 votos.
3) Direct Recording Electronic Voting Systems (DREs).
4) Para mais informações sobre voto electrónico, incluindo discussão dos problemas inerentes, veja http://www.blackboxvoting.com/
5) http://www.avirubin.com/vote/
6) A página oficial do voto electrónico em Portugal:http://www.votoelectronico.pt

Este texto foi publicado no Avante! de 26 de Agosto 2004

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