quarta-feira, outubro 13, 2004

Protestos na Abertura do Ano em Évora e Coimbra

Um grande f-r-á aos estudantes das Universidade de Évora e Coimbra que não deixaram passar a ocasião da abertura de ano sem levantarem a sua voz e protestarem entre outras coisas o valor crescente das propinas no Ensino Superior Público.

Em Évora, os estudantes fizeram greve contra o aumento das propinas e "desrespeito" da lei de financiamento do Ensino Superior e fecharam a cadeado a maioria dos edifícios da Universidade na 3ª, 12 de Out.
"Bolsas sim, propinas não. Este governo não tem educação" foi uma das frases mais entoada por várias dezenas de estudantes concentrados à porta da reitoria, num dos corredores da instituição.

João Correia, presidente da Associação de Estudantes da Universidade de Évora (AEUE), disse aos jornalistas que a greve foi convocada numa reunião geral de alunos, realizada quinta-feira passada, como forma de protesto contra o que o considera ser o "claro desrespeito da lei de financiamento do ensino superior". O dirigente estudantil alega que "o dinheiro das propinas do ano passado não foi aplicado na melhoria da qualidade de ensino".

O aumento do valor das propinas para o corrente ano lectivo constitui, tal como no ano passado, outro dos motivos do protesto estudantil. "Este ano houve um aumento brutal", disse João Correia, explicando que a propina foi fixada em 780 euros, o que representa, pelos seus cálculos, "um aumento de 20 por cento relativamente ao ano passado". Depois de denunciar "os vários tumores" que disse existirem na Universidade de Évora, o presidente da AEUE adiantou que a greve de hoje "serve
para iniciar um protesto nacional com ponto alto numa manifestação marcada para 04 de Novembro". AGÊNCIA LUSA

Em Coimbra, na 4ª, 13 de Oct, estudantes interromperam a sessão solene de abertura que se realizava na Sala dos Capelos. A Assembleia Magna da academia havia viabilizado "acções de desobediência civil", legitimando, segundo Renato Teixeira estudante da licenciatura de Jornalismo da Faculdade de Letras, o protesto. Renato Teixeira leu um texto intitulado "Manifesto do Conselho de Repúblicas (CR) no encerramento da +abertura solene+ das aulas na Universidade de Coimbra", começando por cumprimentar o reitor, na sua qualidade de "presidente do conselho de administração da Universidade de Coimbra".

O texto inclui críticas directas ao reitor sobre o seu papel na fixação pelo Senado do valor máximo das propinas, avisando Seabra Santos que a celebração da abertura das aulas não será feita "sobre as consciências" dos estudantes."Ao desobedecer estamos, como nos ensinaram, a fazer perdurar o espírito contestatário dos académicos de Coimbra, a denunciar a frieza mercantil do governo dos ricos, a reivindicar direitos e a resistir pela permanência do que ainda nos resta", disse Renato Teixeira, em representação das repúblicas de estudantes de Coimbra. AGÊNCIA LUSA

O presidente Associação Académica de Coimbra (AAC), Miguel Duarte, distanciou-se do boicote, afirmando esta forma de protesto não corresponde ao aprovado na Assembleia Magna. Duarte ainda teve oportunidade de apresentar o seu discurso durante a cerimónia, que incluia algumas críticas à política do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

Após a sua intervenção, um grupo de estudantes, numa acção concertada aprovada há uma semana em Conselho das Repúblicas estudantis, irrompeu na cerimónia para ler um documento. O reitor aguardou o final da leitura e [mas] como outro estudante tom[ou o seu] lugar, [acabou pro sair] da sala e convidou os professores catedráticos a segui-lo.
Mas o discurso dos estudantes invasores na Sala dos Capelos prosseguiu, primeiro aproveitando a instalação sonora, depois com o megafone que transportavam. E continuaram com a sala já sem assistência, só a abandonando quando as luzes foram desligadas.
A justificação apresentada pelo grupo de estudantes para boicotar a abertura solene das aulas foi a de lhes ter sido "imposta a mais violenta das exclusões de Abril, o aumento brutal das propinas, arquitectado por este Governo a que ninguém reconhece legitimidade". E "essa exclusão", a fixação do montante das propinas, foi aplicada pelos professores e funcionários da Universidade, dando
sequência a um "verdadeiro acto de terrorismo do Governo contra a sabedoria colectiva". Quando abandonaram o pátio da Universidade, as dezenas de manifestantes deixaram na escadaria as faixas que ajudaram ao protesto e onde se liam frases como: "nem propinas nem prescriçoes", "gratuitidade é
desenvolvimento", "revogação já" e "autonomia é democracia".

A sessão foi terminada precocemente, antes da tradicional "Oração de Sapiência". Com todo o respeito à aula que o orador tenha preparado, eu opino que estes estudantes deram uma poderosa lição de democracia participada e acção directa, que não se deixa intimidar por pomba e circunstância. Não me venham dizer que uma cerimónia de tradição, com os professores todos mascarados, e com a atenção dos media não é momento para fazer um apelo para uma educação mais democrática. É o momento certo para o fazer.

PS. Eu era estudante universitário quando as propinas sofreram o seu primeiro aumento significativo, no anos 90, tendo tido oportunidade de participar no movimento de protesto de então. É significativo que na altura se alertava que um aumento das propinas não implicaria uma melhoria da qualidade de ensino, apenas uma crescente desresponsibilização do estado em financiar o ESup. E também se alertou para que um primeiro aumento não viria só. A educação, diz a Constituição, deve ser 'tendencialmente' gratuita. 'Tendencialmente' permite ocasionais aumentos, desde que a tendência seja um decréscimo. Alertava-se que o primeiro aumento abriria as portas para mais aumentos, com crescentes custos para o estudante e sua família. Tal veio a verificar-se. O governo (então do PSD) alegava que se tratava de justiça social, que só as famílias que podiam pagar, seriam chamadas a fazê-lo. Mas os aumentos têm vindo a limitar o acesso ao ensino superior a um número cada vez maior de jovens.

PPS. O mesmo alerta aplica-se agora à ameaça de aumento das taxas moderadoras. Também a saúde, diz a Constituição, deve ser 'tendencialmente' gratuita. Mas uma vez um governo com o PSD argumenta que um aumento é uma questão de justiça social. Não podemos deixar um o tendencialmente gratuito se torne progressivamente mais caro, que um aumento de pagamentos de serviços socias seja mais uma vez acompanhado de uma desresponsabilização do Estado.


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