O recente período de festas foi marcado pela tragédia resultante do terramoto e maremoto asiático de 26 de Dezembro. Mas outros perigos ameaçam a região.
A estimativa de número de vítimas directas cresce diariamente, e teme-se que a propagação de doenças e a escassez de comida, água potável e medicamentos possa inflacionar o número total de vítimas. A presença de turistas e suas câmaras de vídeo fez deste desastre um evento mediático, que se traduziu em promessas de apoio internacional. Certas respostas sobressaíram por contraste, como o atraso do embaixador português em interromper as suas férias e dirigir-se de regresso à Indonésia para apoiar os turistas nacionais. O recém-eleito presidente Bush, também de férias no Texas, demorou a reagir com um apoio proporcional, aumentando o apoio financeiro de 35 milhões para 350 milhões de dólares apenas depois de ter sido acusado de sovina.
Uma das zonas mais afectadas foi a província de Banda Aceh, na ponta Norte da ilha de Sumatra, Indonésia, onde o total de vítimas poderá atingir os cem mil. A povoação de Meulaboh foi arrasada e 40 mil dos 120 mil residentes faleceram. Na vila de Lambada morreram 95% dos habitantes. A comunicação social refere o mau estado das estradas, a destruição de pontes e a falta de combustível e transportes como os principais limites ao acesso de ajuda humanitária e distribuição de apoio. Contudo, este desastre natural veio sobrepor-se a décadas de violência, opressão e falta de empenho no desenvolvimento da região por parte das autoridades indonésias.
Três décadas de luta
O povo de Acheh declarou a independência em 1976 e, à semelhança de Timor-leste, foi alvo de exploração económica e política, repressão cultural, assassinatos e aprisionamentos e conflito militar contra o movimento de independência nacional, o Movimento Aceh Livre (Gerakan Aceh Merdeka, GAM). Uma grande operação de exploração de gás natural centrada na povoação de Lhoksumawe, que fornece muito do gás natural do Japão e Correia do Sul, traz grandes lucros à Exxon Móbil e ao governo Indonésio, relutante em perder uma região tão lucrativa. A perspectiva de melhoramento após a queda do Suharto, que permitiu o recolher de testemunhos da repressão por parte de organizações humanitárias e conduziu até a um pedido de desculpa por parte do general Wiranto pelos excessos militares, foram sol de pouca dura. O estatuto de Zona Militar Operacional (DOM), interrompido brevemente, foi re-imposto em Aceh, sob o pretexto de garantir segurança contra motins populares. Em Novembro de 1999, cerca de 400 000 de pessoas (o equivalente a 10% da população de Aceh!) reunidas frente à Grande Mesquita exigiam um referendo sobre a independência da região.
Lei marcial
Seguiu-se uma intensificação das operações militares e o medo levou dezenas de milhares de pessoas a fugir dos seus lares. Em Maio de 2003, após o colapso de conversações pela paz, o governo Indonésio impôs a lei marcial em Aceh e restringiu o acesso de organizações humanitárias e jornalistas. Jacarta despendeu 470 milhões de dólares para as operações militares que se seguiram, três vezes mais que o orçamento anual da província. Estas restrições permaneceram mesmo após o recente maremoto, limitando seriamente a resposta rápida de equipas médicas e ajuda humanitária à região. Por exemplo, uma equipa médica japonesa foi impedida de chegar a Aceh. O governo acabou por autorizar um acesso muito limitado de jornalistas e ajuda humanitária estrangeira, tendo estes de pedir autorização às forças militares. O clima de violência e intimidação que durante anos limitou o desenvolvimento da região e destruiu qualquer tentativa de construção de uma sociedade civil, afectou a capacidade da população em dar resposta própria à crise.
Solidariedade necessária
Teme-se que a corrupção militar e da polícia não garanta a distribuição necessária de apoio a Aceh. Os militares anunciaram que irão enviar 15 mil tropas para as zonas afectadas pelo maremoto. Mas a população terá de se dirigir aos mesmos que os têm oprimido e perseguido. É muito provável que os militares aproveitem esta oportunidade para atacar apoiantes da independência. Dias antes do maremoto, os militares enviaram para a zona milhares de membros da agência de inteligência militar (financiada pela CIA), um sinal claro de preparação de novas vagas de repressão local, sob o disfarce de operações anti-terroristas.
O apoio a Aceh é necessário e urgente, mas o povo de Aceh irá precisar de solidariedade internacional mesmo depois de ultrapassada a presente crise, contra a opressão de Jacarta, e pela a sua independência do jugo indonésio.
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