domingo, janeiro 02, 2005

Crise na Asia e Aceh

O tom do recente período de festas foi marcado pela tragédia resultante do terramoto e maremoto asiático de 26 de Dezembro. A estimativa de número de vítimas directas cresce diariamente, e teme-se que a propagação de doença e a escassez de comida, água potável e medicamentos possa inflacionar o número total de vítimas. A presença de turistas e suas câmaras de video fez deste desastre um evento mediático, que se traduziu em promessas de apoio internacional. Certas respostas sobressaíram por contraste, como o atraso do Embaixador Português em interromper as suas férias e dirigir-se de regresso à Indonésia para apoiar os turistas nacionais. O recém-eleito Presidente Bush, também de férias no Texas, demorou a reagir com um apoio proporcional, aumentando o apoio financeiro de 35 milhões para 350 milhões de dólares apenas depois de ter sido acusado de sovina.

Uma das zonas mais afectadas foi a província de Banda Aceh, na ponta norte da ilha de Sumatra, Indonésia, onde o total de vítimas poderá atingir os cem mil. A povoação de Meulaboh foi arrasada e 40 mil dos 120 mil residentes faleceram. Na vila de Lambada, morreram 95% dos habitantes. A comunicação social refere o mau estado das estradas, a destruição de pontes e a falta de combustível e transportes como os principais limites ao acesso de ajuda humanitária e distribuição de apoio. Contudo, este desastre natural veio apenas sobrepor-se a décadas de violência, opressão e falta de desenvolvimento da região por parte das autoridades Indonésias.

O povo de Ache declarou independência em 1976 e, à semelhança de Timor-leste, foi alvo de exploração económica e política, repressão cultural, assassinatos e aprisionamentos e conflito militar contra o movimento de independência nacional, o Movimento Aceh Livre áá(Gerakan Aceh Merdeka, GAM). Uma grande operação de exploração de gás natural centrada na povoação de Lhoksumawe, que fornece muito do gás natural do Japão e Correia do Sul, traz grandes lucros à Exxon Móbil e ao governo Indonésio, relutante em perder uma região tão lucrativa. A perspectiva de melhoramento após a queda do Suharto, que permitiu o recolher de testemunhos da repressão por parte de organizações humanitárias e conduziu até a um pedido de desculpa por parte do General Wiranto pelos excessos militares, foram sol de pouca dura. O estatuto de Zona Militar Operacional (DOM), interrompido brevemente, foi re-imposto em Aceh, sob o pretexto de garantir segurança contra motins populares. Em Novembro de 1999, cerca de 400,000 de pessoas (o equivalente a 10% da população de Aceh!) reunidas frente à Grande Mesquita exigiam um referendo sobre a independência da região. Seguiu-se uma intensificação das operações militares e o medo levou dezenas de milhar a fugirem dos lares. Em Maio de 2003, após o colapso de conversações pela paz, o governo Indonésio impôs a lei marcial em Aceh e restringiu o acesso de organizações humanitárias e jornalistas. Jakarta despendeu 470 milhões de dólares para as operações militares que se seguiram, três vezes mais que o orçamento anual da província.
Estas restrições permaneceram mesmo após o recente maremoto, limitando seriamente a resposta rápida de equipas médicas e ajuda humanitária à região. Por exemplo, uma equipa médica japonesa foi impedida de chegar a Aceh. O governo acabou por autorizar um acesso muito limitado de jornalistas e ajuda humanitária estrangeira, tendo estes de pedir autorização às forças militares. O clima de violência e intimidação que durante anos limitou o desenvolvimento da região e destruiu qualquer tentativa de construção de uma sociedade civil, afectou a capacidade da população em dar resposta própria à crise. Teme-se que a corrupção militar e da polícia não garanta a distribuição necessária de apoio. Os militares anunciaram que irão enviar 15 mil tropas para as zonas afectadas pelo maremoto. Mas a população terá de se dirigir aos mesmo que os tem oprimido e prosseguido. É muito provável que os militares aproveitem esta oportunidade para atacar apoiantes da independência. Dias antes do maremoto, os militares enviaram milhares de membros da agência de inteligência militar (financiada pela CIA), um sinal claro de preparação de novas vagas de repressão local, sob o disfarce de operações anti-terroristas.
O apoio a Aceh é necessário e urgente, mas o povo de Aceh irá precisar de solidariedade internacional mesmo depois de ultrapassada a presente crise, contra a opressão de Jakarta, e pela a sua independência do jugo Indonésio.

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