quarta-feira, setembro 20, 2006

Desenho Inteligente ganha força na Europa

Já houve um tempo na Europa quando podíamos observar com estranheza os conflitos entre o ensino de evolução biológica e criacionismo nas escolas dos EUA. (Sobre a situação nos EUA, vejam o Flock of Dodos.) Era fácil reduzir o problema a uma particularidade desse país, talvez devido ao peso das suas correntes protestantes, mas que era um conflito ao qual o ensino Europeu, com larga tradição laica, estava isento. Bom esse tempo parece ter chegado ao fim. A nova forma insidiosa de criacionismo, o Desenho Inteligente, que tenta apresentar-se como uma corrente científica, tem não só levado a nova vaga de conflitos nas escolas nos EUA, mas também conduzido a expressões de apoio na Europa. Expressões de iliteracia científica sobre evolução, levando a questionar uma teoria científica firmemente estabelecida, e expressões de apoio ao DI, que deveria receber destaque equivalente à teoria de evolução.


Faz pouco mais de um ano que a Ministra da Educação Holandêsa Maria van der Hoeven, propôs a organização de um debate sobre o ensino da evolução nas escolas e questionou a sua inclusão no curriculo escolar. Fazia 6 anos que um acordo havia logrado colocar o seu ensino em todas as escolas nacionais, incluindo as escolas religiosas que recebessem dinheiro do estado. Mas a ministra sucumbiu ao argumento de que a teoria da evolução está incompleta, e portanto pode ter erros, e como tal haveria que estar aberto a alternativas, isto é, ao Desenho Inteligente.

Na Grã-Bretanha o criacionismo faz parte do curriculo dos liceus Cristãos há mais de 30 anos, e existe agora o receio que as escolas públicos sigam o exemplo. Na Universidade de Leicester, parte da cadeia de genética já dedica parte do seu curriculo ao criacionaismo e desenho inteligente. A Universidade de Leeds pretende incorporar estes temas nas cadeiras de Zoologia e Genética. Um inquérito recente na Grã-Bretanha (Guardian, 15 Agosto 2006) revela que:
  • Mais de 12% dos alunos preferem o criacionismo como explicação; 19% preferem o Desenho Inteligente. Isto é, 30% pensa que a origem da diversidade biológica deve mais a deus que à evolução. Apenas 56% aceita a teoria científica
  • quase 20% dos estudantes de liceu dizem que lhes ensinaram criacionismo como um facto na escola.
  • a maioria pensa que seria positivo ensinar-se um espectro de teorias, mas 30% dos que apoiam criacionsimo pensa que os aluns deveriam ser ensiados apenas criacionaismo
O professor Ratzinger, também conhecido como Papa Bento XVI, no seu recente seminário na Alemanha, levantou dúvidas sobre a teoria da evolução. A Igreja Católica, em 1996 sob o Papa João Paulo II, aceitou a evolução como "mais que uma hipótese", e o próprio Ratzinger escreveu aceitando a teoria evolutiva. A escolha deste tema no seminário só pode reflectir uma crescente influência das correntes do Desenho Inteligente no Vaticano.

A este propósito o Prof. Paulo Gama Mota escreveu, no Público:

O Papa e a evolução: provas e refutações

O recente encontro entre o Papa e antigos alunos seus fez reacender o interesse pelas correntes criacionistas que sob vários formatos têm procurado, quase exclusivamente no EUA, contestar a evolução, a teoria evolutiva de Darwin e uma parte essencial da biologia moderna, bem como o seu ensino nas escolas secundárias. Estas correntes têm procurado ainda introduzir nos Curricula uma mistela não científica chamada 'desenho inteligente', que mais não é que uma forma literariamente mais elaborada das velhas oposições criacionistas à evidência da evolução orgânica. Muito embora a sua pretensão tenha sido liminarmente recusada em Tribunal Federal, depois de intensas audições, a chegada de Bush à Presidência dos EUA, acompanhado pelo seu núcleo conservador, deu-lhes novo alento. Comemoram-se em 2009 duzentos anos sobre o nascimento de Darwin, um dos mais importantes cientistas da história da humanidade e, contudo, persiste uma enorme resistência às suas teorias e ao que elas nos permitiram compreender do mundo orgânico em que vivemos e da forma como chegámos ao que somos hoje. Inquéritos realizados nos EUA e na UE revelam que há sectores importantes da população que não partilham a evidência científica da evolução da nossa espécie, preferindo a versão de uma criação especial. Mas, os níveis de respostas acertadas não seriam porventura melhores se a pergunta fosse sobre se os humanos foram ou não contemporâneos dos dinossauros, muito embora nos separem 65 milhões de anos (ou seja, cerca de 500 vezes o tempo que a nossa espécie leva de existência). Este é um problema de literacia científica. Uma questão diferente é o ataque persistente e insidioso dos movimentos criacionistas à evolução e à explicação científica para a diversidade do mundo orgânico.

O jurista Jónatas Machado discorreu sobre o assunto, no Público, há dias (08.09.2006), para atacar os que designa por evolucionistas, exibindo uma prosápia só equiparável à sua evidente ignorância científica. Defende JM que os evolucionistas não podem fazer prova da evolução porque se reportam a algo que aconteceu no passado e não pode ser repetida na bancada de experiências. Deste modo a ciência teria que se limitar ao que é experimentável: a formação de um campo electromagnético, a queda de um corpo, uma reacção química, uma manipulação genética. Tal não é verdade. É possível realizar experiências e testar hipóteses científicas mesmo sobre fenómenos ocorridos no passado. Sucede que a biologia evolutiva não é a única área da ciência que tem um carácter histórico, isto é, em que a seta do tempo é muito importante, não sendo possível repetir os mesmos processos para os 'observar' de novo. O mesmo se passa com a astronomia, a astrofísica e a história. Estas áreas da ciência com uma forte componente histórica desenvolveram, para o efeito, um conjunto de ferramentas específicas, muito sofisticadas, que permitem por experiências parcelares e indirectas, testar hipóteses e teorias científicas. Mesmo que não possamos viajar no tempo para ver como era o Universo nos primeiros três minutos, conseguimos recriar situações similares nos grandes aceleradores de partículas, que nos permitem testar as nossas hipóteses e modelos. Uma questão central a este assunto é o da forma como se faz prova em ciência, algo que JM evidencia não compreender de todo. O problema da prova científica é complexo (já que as teorias e modelos não são testados directamente, mas através de hipóteses) e não haverá aqui espaço para o desenvolver. Podemos ainda assim, exemplificar: como podemos provar que a evolução ocorreu? Por exemplo, decorre da teoria da evolução que as espécies que evoluíram em arquipélagos a partir de um antepassado comum, como os tentilhões das Galápagos, devem ser geneticamente mais próximas entre si do que a espécie de que se originaram no continente. Estudos moleculares sobre aquelas espécies confirmaram esta previsão, suportando o princípio da evolução orgânica. Nenhuma outra explicação pode prever este resultado. Ao longo do último século acumularam-se centenas de milhares de evidências que confirmam a evolução e nenhuma que lhe seja contrária! Da anatomia comparada à biogeografia, da biologia do desenvolvimento à genética. A evolução é um facto científico, como a natureza ondulatória da luz ou a formação das montanhas por tectónica de placas continentais. Poderia ficar-se com a ideia, a partir da prosa de JM, de que os biólogos evolutivos seriam todos uns ateus militantes apostados em contrariar os escritos bíblicos. Nada mais distante da realidade. Há-os de todos os credos e a única coisa que os une é a intensa curiosidade de conhecer e compreender a história e diversidade do mundo orgânico em que vivemos e que integramos.

Há mais de 20 anos que ensino evolução a estudantes de biologia e antropologia. Certamente a maioria é católica. Nunca tive qualquer dificuldade em ensinar estas matérias, para lá das dificuldades técnicas características do assunto. E isto porque as minhas aulas de evolução não são sobre filosofia, ou ética ou moral, mas sobre ciência. Faz-nos muito mal o dogmatismo exacerbado

4 comentários:

Jónatas Machado disse...

Quando o melhor argumento a favor da evolução apresentado pelo Doutor Gama Mota são os tentilhões dos Galápagos, em que os tentilhoes continuam a ser tentilhões, isso é bem sintomático da debilidade do evolucionismo.

Para os criacionistas é evidente que os tentilhões são um exemplo de adaptação na sequência da rápida dispersão e especiação pós-diluviana.

As alterações no tamanho do bico dos tentilhões não acrescentam informação genética nova, o mesmo sucedendo com a morte dos tentilhões com bicos menos propícios à sobrevivência dos tentilhões. A morte não cria informação genética nova.

Como se vê, no processo não se cria informação genética nova, nem se explica a origem da informação pré-existente. Ficamos, portanto, sem perceber o que é que os tentilhões dos Galápagos têm que ver com a suposta evolução que terá transformado partículas em pessoas ao longo de milhões de anos. A ter existido, a mesma supõe grandes quantidades de mutações geradoras de novos genes codificadores de novas estruturas e funções, dando origem a novas espécies. Continuamos à espera da demonstração desse fenómeno.

Os leitores deverão tirar as suas conclusões acerca da força probatória dos argumentos de Paulo Gama Mota e dos seus correlegionários evolucionistas.

Os mesmos não percebem a diferença entre factos e interpretações de factos, ignorando que os mesmos factos podem ser interpretados de forma diferente de acordo com premissas e modelos diferentes.

O conhecimento científico é estruturalmente provisório. Está por isso na hora de descartar o evolucionismo.

Jónatas Machado disse...

Como se vê, a prosápia evolucionista é como as mutações aleatórias e a selecção natural. Não cria nada de novo.

. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
. disse...

Quando as pessoas apresentam uma total ignorancia sobre um assunto, têm, na minha opinião, duas opções: Informam-se, para o poderem debater, ou ficam caladinhas para evitar dizer imbecilidades. Que certas pessoas, coitadas, na sua ignorãncia, tenham horror à ciência e sintam uma necessidade imperiosa de a atacar, ainda posso compreender. Mais difícil é aceitar que se cubram com um falso manto cientifico para atacar essa mesma ciência. Se o sr. Jónatas conseguisse por breves momentos ultrapassar, porque é disso que se trata, as suas profundas crenças religiosas ( a que tem direito ), e estudasse o assunto, sem preconceitos, a nível pouco mais que básico, talvez compreendesse que não só anda a defender algo que, sem ofensa, não passa duma imbecilidade, como, acima de tudo, está a prestar um péssimo serviço à humanidade, defendendo e divulgando, sem bases nenhumas para tal, algo que só ajuda a manter a humanidade num obscurantismo, que, aparentemente, agrada a certas pessoas.
Resumindo, acho bem que todos os assuntos sejam debatidos, e em ciência isso é fundamental. Mas nessa mesma ciência, o debate tem que ser feito dentro da área cientifica, nunca num debate ciência versus religião. Se o sr. Jónatas quer debater religião, está no seu direito, mas nesse caso deve limitar-se a debates teológicos ou eventualmente filosóficos. Mesmo aceitando que a teoria da evolução ainda possa ser melhorada, é inquestionável para qualquer pessoa informada e com um IQ aceitável. O criacionismo está morto e enterrado à muito tempo, mas aparentemente algumas pessoas ou ainda não deram por isso, ou insistem, por razões mais ou menos inconfessáveis, em ir desenterrar os restos mortais.
Concluíndo, já que o sr. Jónatas não se dá por satisfeito com o exemplo básico dos tentilhões e gosta de distorcer factos apresentados, penso que seria interessante organizar um bom debate, onde o sr. Jónatas apresentaria as provas consubstanciadas do que defende, junto com as provas, também consubstanciadas, das supostas falhas da teoria da evolução. Tudo isto frente a um painél de entendidos na materia. Uma vez que é difícil um debate deste género num blog, seria realmente interessante fazê-lo dessa forma. Claro que se gravaria o debate para a posteridade. Pode ser que um dia o sr. Jónatas recupere ( ou adquira )o bom senso e ainda possa divertir-se, como todos nós, com as figuras que tem feito.
Jorge Humberto