sexta-feira, janeiro 12, 2007

Síndroma stress pós-aborto: ciência?

Os jornais davam hoje destaque às afirmações de Adriano Vaz Serra, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Durante uma iniciativa da plataforma "Não Obrigado", AVS - o próprio acrónimo do Vaz Serra sôa a síndroma - citando um estudo estadunidense [que estudo, importa perguntar], alertou para os perigos do síndroma de stress traumático pós-aborto (PTSS - postabortion traumatic stress syndrome) : "pelo menos 14% das mulheres que abortam estão sujeitas a [PTSS]", sendo constantemente lembradas do acontecimento, sofrendo de pesadelos, taquicardias etc., que nos casos mais graves "podem levar ao suicídio" (metro, 12 Jan). Isto é, já não basta a morte do feto, mas um aborto pode também levar à morte da mulher.

O movimento Médicos pela Escolha já desmascarou estas afirmações como "desprovidas de base científica". Numa iniciativa tida hoje (12/Jan) um painel de psicanalistas, psicólogos e psiquiatras esclareceu que este síndroma, após consideração cuidada, não é reconhecido pela comunidade científica, pelo que a referência aos estudos (enganosos) agora apresentados pelo "Não Obrigado", feitos com base em amostras não representativas da população e resultando em conclusões abusivas, revela total ausência de rigor científico e corresponde à desinformação da opinião pública. Por exemplo, a Organização Mundial de Saúde não reconhece este alegado tipo de stress na sua lista de doenças e problemas de saúde, nem contempla esse tipo de complicação no seu guía de gestão clínica de complicações relacionadas com aborto.

Face à alegações de existência deste síndroma, no final da década de 80, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) fez uma revisão dos estudos existentes até à data (uma meta-análise) e concluiu que os sintomas de stress relacionados com o aborto são mais intensos, na maioria dos casos, imediatamente antes da sua realização, diminuíndo após a interrupção da gravidez (Adler, N. et al. 1990. Science 248:41-44): "reacções severas depois de um aborto são raras e são melhor entendidas no contexto de lidar com o stess normal da vida." Este estudo refere que sintomas ligeiros e transitórios de depressão ocorrem em 20% das mulheres que abortaram, mas sintomas semelhantes ocorrem em 70% mulheres após o parto (Ziporyn, T. 1984. Journal of the American Medical Association 251:2061-3). Casos de depressão graves são extremamente raros, na ordem dos 0.18-0.02% (Robinson & Stewart. 1993. in Psychological Aspects of Women's Health Care. American Psychiatric Press.), mais raros que valores de depressão grave pós-parto: 0.19-0.1%. Uma revisão mais recente, que analisou estudos pós-1990 chegou a conclusões semelhantes: mulheres que fazem aborto tem mais ansiedade que mulheres que completam a gravidez, mas a longo prazo não sofrem mais psicologicamente (Bradshaw & Slade. 2003. Clinical Psychology Review 23:929–58).

Face a estas revisões a APA, Associação Americana de Psicologia, Colégio de Ginecologia e Obstectrícia Americano, Colégio de Ginecologia e Obstectrícia Inglês, e Organização Mundial de Saúde concordam que após a IVG as mulheres tendem a ultrapassar a ansiedade transitória sem dificuldade e retomam as suas vidas normalmente. Para um resumo de estudos sobre efeitos emocionais pós-aborto ver).

Que estudo foi então referido por AVS? Não consegui encontrar referência exacta. Uma possibilidade são os estudos do David Reardon, um doutorado em Ética Médica, da Universidade Pacific Western, uma destas universidades nos EUA que dá diplomas como o "Sai sempre" nas feiras. Reardon é o dirigente do Elliot Institute. Ele tem artigos publicados em revistas médicas, mas o caracter objectivo da sua investigação é no mínimo suspeito, já que dirige um instituto onde os resultados "científicos" são precedidos de uma agenda política.

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