quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Assalto económico ao Iraque

A ocupação do Iraque pelos EUA em 2003 foi rapidamente seguida pela brutal imposição de reformas neoliberais, em clara contradição com a lei internacional que proíbe que forças ocupantes reescrevam as leis do território ocupado. A Autoridade Provisória, liderada por Paul Bremer, reduziu os impostos sobre rendimento (ordem 49); abriu todos os sectores económicos ao investimento privado estrangeiro (excepto o petróleo, sector protegido pela Constituição), permitindo ao capital estrangeiro deter 100% das empresas Iraquianas e não impondo qualquer obrigação de reinvestimento no Iraque (ordem 39); suspendeu todas as tarifas aduaneiras (ordens 12 e 54); e garantiu imunidade criminal e civil às empresas estrangeiras a trabalhar no Iraque (ordem 17). Estas medidas permitiram que, para reconstruir o Iraque, fossem contratadas sobretudo empresas estadunidenses, que não sendo obrigadas a contratar trabalhadores iraquianos, recrutaram trabalhadores estrangeiros. O desemprego no Iraque disparou atingindo os 70% (!). Empresas como a Haliburton, Parsons, Fluor, e Becthel receberam contratos na ordem dos milhares de milhões de dólares para reconstruir a rede de saneamento, eléctrica, rodoviárias, de distribuição de água, destruídas durante a invasão. Mas como os custos e uma taxa fixa de lucro estavam garantidos, muitas das obras não foram finalizadas ou sequer iniciadas, estando o Iraque ainda por ver os resultados dos milhões investidos. Mesmo depois da dissolução da Autoridade Provisória e da transferência de poder para o governo interino, em 2004, os EUA mantiveram o poder de atribuir contratos para projectos de reconstrução.
Os EUA contrataram inclusivamente a BearingPoint (1), ao som de $240 milhões, para aconselhar os ministros e banco central a redigir leis e regulações para criar um sector privado competitivo.
Esta companhia foi encarregada de assistir o ministro do Petróleo na redacção de uma nova lei para os hidrocarbonetos. Uma versão preliminar da lei foi apresentada às principais companhias petrolíferas e ao FMI no Verão passado, mas em Dezembro os deputados do Parlamento iraquiano desconheciam ainda o seu conteúdo. O jornal The Independent obteve uma cópia desta versão (2), donde sobressai a introdução de Acordos de Partilha de Produção (Production Sharing Agreements, PSA). A Constituição do Iraque proíbe a privatização dos recursos petrolíferos, mas ao abrigo de um PSA o Estado manteria a propriedade formal dos recursos, enquanto empresas estrangeiras teriam direito à sua exploração durante 30 anos. Nesse período, as empresas receberiam 60 a 70% dos lucros até recuperarem o investimento inicial, tendo depois direito a até 20% dos lucros. Estas condições, mesmo comparando com outros PSAs, são altamente favoráveis para as companhias estrangeiras. Apenas 12% das reservas mundiais de petróleo estão associadas a PSA, em geral quando a exploração é incerta e os custos de produção altos. Porém, as reservas iraquianas destacam-se precisamente por estarem perto da superfície, sendo de fácil detecção e baixo custo de extracção.
No passado dia 18, o comité iraquiano para rever a lei dos hidrocarbonetos aprovou a sua proposta, que será apresentada aos Conselho de Ministros e, se aprovada, seguirá para o Parlamento. Os detalhes da nova proposta não são ainda públicos, mas parece certo que a lei permite o investimento estrangeiro, concedendo às companhias petrolíferas estrangeiras «tratamento nacional», isto é, o Iraque não poderia dar preferência às companhias nacionais (3). Segundo a Reuters, os PSAs não são especificamente incluídos, sendo a lei ambígua sobre o modelo de contrato, mas o Ministério do Petróleo irá apontar um comité que visitará países produtores de petróleo. Não o Irão, Kuwait, ou Arábia Saudita, onde o petróleo está nacionalizado e o controlo por empresas estrangeiras proibido, mas a Noruega, Grã-Bretanha e EUA, precisamente os países interessados em que sejam implementados PSAs. Embora tenha ignorado as recomendações do relatório Baker-Hamilton sobre redução de tropas e abertura diplomática ao Irão, tudo indica que a administração Bush pretende implementar as suas recomendações sobre a efectiva privatização do petróleo iraquiano. Mas o povo iraquiano não irá ceder os seus recursos petrolíferos de mão beijada. Em Dezembro, as cinco maiores federações sindicais iraquianas, reunidas na Jordânia, atacaram os planos de privatização, tendo declarado que esta era uma linha que não permitirão que seja atravessada.
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(1) A Bearing Point está neste momento imersa em escândalo após ter sido revelado que doou centenas de milhares de dólares ao Partido Republicano.

(2) The Independent, 7 de Janeiro de 2007

(3) Recomendam-se os textos de Antonia Juhasz

Este artigo saiu publicado no Jornal Avante! a 8 de Fev de 2007

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