domingo, março 11, 2007

Eleições nos EUA

Para entender as eleições nos EUA há um factor chave que se destaca de todos os restantes. Não se trata das ideias programáticas, do carisma do candidato, se é homem ou mulher, ou a sua cor de pele, mas muito simplesmente os dólares. Claro que estes outros factores também importarão, mas podemos traduzi-los todos na capacidade de angariar fundos para a campanha. A prová-lo tomemos dois indícios. Primeiro: face aos resultados nas eleições para o Congresso e à impopularidade da Casa Branca, poder-se-ia esperar que os candidatos Democratas que comandam as sondagens estivessem a avançar com propostas de reforma no sector da segurança social, sistema de saúde e energia, com uma oposição clara à ocupação no Iraque. Mas o discurso destes candidatos tem sido vazio de visão e ideias marcantes, sem grandes compromissos políticos, e descendo já para o campo da análise pessoal. Segundo: Thomas Vilsack, duas vezes governador do estado de Iowa, e um dos primeiros Democratas a anunciar a sua candidatura, desistiu da corrida em Fevereiro passado, após prever que não seria capaz de competir financeiramente com os outros candidatos: havia logrado acumular apenas USD$1.3 milhões durante os três meses em que foi candidato, o mesmo que outros candidatos conseguem angariar numa noite – um sinal claro da inviabilidade da sua candidatura.

O factor 'dólar' assume uma importância adicional durante as eleições primárias, sobretudo quando não surge à partida um candidato destacado – em geral o candidato que ocupa o cargo e pretende ser re-eleito. As próximas eleições presidências serão as primeiras em 80 anos no qual não haverá um elemento da Casa Branca a concorrer (George W. Bush já atingiu o limite de dois mandatos, e não é provável que Dick Cheney se venha a candidatar), pelo que a luta dentro dos partidos Republicano e Democrata começou muito cedo, antes mesmo das últimas eleições intercalares, em Novembro de 2006.

A escolha dos candidatos dos dois principais partidos – as ditas eleições primárias – irão começar em Janeiro de 2008: as eleições estaduais não decorrem todas no mesmo dia, e as eleições dos primárias dos dois partidos não são coincidentes. Alguns (poucos) estados terão eleições em Janeiro; Fevereiro concentra um número significativo de eleições estaduais (incluindo a 'super terça-feira' durante o qual um número significativo de estados vai às urnas para os dois partidos); e o processo termina apenas em Junho. Mas os candidatos dos dois partidos estarão à partida escolhidos muito antes dessa data, pois os resultados nos primeiros estados afectam a capacidade do candidato continuar a recolher fundos e logo a sua capacidade de ir fazendo campanha. Um candidato que não tenha ainda obtido um número significativo de vitórias após a 'super terça-feira' terá perdido a sua viabilidade – daí que os estados que realizam primárias cedo no calendário tenham maior peso na definição dos candidatos. Por exemplo, Howard Dean, candidato nas primárias Democratas em 2004, apesar de ter causado alguma surpresa pela sua popularidade – em particular pela sua oposição frontal à ocupação do Iraque – e por ter logrado acumular significativos fundos através de muitas pequenas contribuições via internet, acabou por desistir após resultados modestos nas primeiras quatro primárias estaduais.

Usando este compasso financeiro quais são os candidatos, que a quase um ano de distância das eleições primárias, já demonstram ter folego? Entre os Democratas, destaca-se a senadora e mulher do ex-presidente, Hillary Clinton, que demonstrou a sua capacidade de angariação ao reunir $40 milhões em 2006 para a sua campanha de re-eleição para o Senado em Novembro passado. Hillary fixou como meta, em 2007, para as presidenciais angariar $75 milhões, tendo $11 milhões já em mão no final de 2006. Por contraste, Barack Obama, o Senador africano-americano de Illinois, que tem gerado muito interesse e atenção, entrou na corrida com apenas meio milhão de dólares. John Edwards, cujo impacto nas primárias de 2004 o levou a ser escolhido por Kerry como candidato à vice-presidência, acumula com a sua capacidade de angariar fundos, uma substancial fortuna pessoal. Entre os Republicanos, entre os candidatos oficiais, destacam-se o Senador do Arizona, John McCain, e o ex-presidente da câmara de Nova Yorque, e suposto herói do Onze de Sembro, Rudy Giuliana. Este sofreu um revés quando um jornal publicou o seu plano de financiamento revelando que muitos dos financiadores alvos da sua campanha já se haviam comprometido com McCain. Nenhum dos dois tem porém uma máquina de angariação comparável com Clinton, sendo possível que ainda surja um candidato com a envergadura financeira de um George W. Bush (o seu irmão Jeb?).

O presidente da Comissão eleitoral afirmou que para ser levado a sério um candidato terá de conseguir $100 milhões até ao fim de 2007, e que as eleições presidenciais de 2008 prometem ser as mais dispendiosas de sempre, possivelmente ultrapassando o recorde de 2004 (mil milhões de dólares) – mais que metade do PIB de Portugal.

Artigo a sair no Jornal "A Voz do Operário"

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