Face aos seus objectivos, este reforço tornava-se necessário já que a «coligação dos dispostos» se está a desarticular. À retirada significativa da Espanha, após a vitória de Zapatero, seguem-se as retiradas do Iraque dos contingentes da Dinamarca e Polónia, e a redução dos da Correia do Sul e Grã-Bretanha. Note-se, porém, que em muitos destes casos à redução de tropas no Iraque correspondeu um aumento da presença desses mesmos países no Afeganistão, onde a situação está progressivamente mais fora de controle dos ocupantes.
A ocupação estrangeira do Iraque porém não se resume ao nível das tropas de combate. Igualmente significativo é a presença de 100 000 civis e a trabalhar para empresas privadas, incluindo 48 mil forças de segurança privadas. O uso de empresas privadas pelas forças militares dos EUA remete para o fim da Guerra Fria, quando o Pentágono, sob a liderança de Dick Cheney, pensou manter algum nível de operacionalidade e poupar custos fazendo o outsourcing de alguns aspectos logísticos. Contratou-se então a Halliburton(3), empresa que Cheney viria a presidir após sair da Casa Branca, e que actualmente, quer directamente quer através da subsidiária KBR, é o principal fornecedor de apoio logístico das forças militares no Iraque, tendo recebido já 20 mil milhões de dólares para garantir por exemplo a respectiva alimentação, lavandaria, e limpeza das latrinas. E não há sentimento patriótico que iniba a ganância do capital: a KBR tem sido acusada de cobrar por refeições nunca servidas, por cobrar em demasia pelo combustível e por quase dois mil milhões de dólares em despesas não identificadas.
Embora o uso de empresas privadas(4) não seja novidade, durante a actual ocupação do Iraque estas têm sido usadas de forma mais extensiva e central: durante a primeira guerra do Golfo, haveria um privado para cada 50 militares; na invasão de 2003, o rácio já seria de 1 para 10 (a KBR construía bases militares no Kuwait um mês antes da invasão); e durante a ocupação esse rácio ronda os 1 para 2. Significativo é também o uso de forças de segurança privadas, ou mercenários, que constituem a segunda maior força de ocupação. Não estando articuladas na cadeia de comando militar, funcionando à sua margem e cuja responsabilidade está muitas vezes mascaradas por uma névoa de contratações e subcontratações. Geram-se assim problemas resultantes da saída de operações das empresas, quando a situação se torna demasiado perigosa, e de falta de coordenação entre as empresas e os militares. Para tentar coordenar operações, a Autoridade Provisional da Coligação ... contratou uma empresa, a Aegis, ao som de 300 milhões de dólares.
Os mercenários não se limitam a garantir a segurança de jornalistas e empresários. São também eles, e não os militares, os responsáveis pela segurança de agentes do governo dos EUA. A Erinys – nome da deusa grega que persegue e pune – é responsável pela segurança do Corpo de Engenheiros. A Blackwater(5) foi responsável pela segurança de Paul Bremer, John Negroponte e de Zalmay Khalilzad, o actual embaixador dos EUA. Esta guarda pretoriana percorre impunemente o Iraque em SUVs e helicópteros armados, sendo responsável por incontáveis mortes de civis, e constituindo um alvo natural das forças resistentes – mais de 650 mercenários foram mortos no Iraque desde 2003. Esta matriz das forças militares e mercenárias vem dando novo significado ao termo complexo militar-industrial.
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(1) - www.globalsecurity.org/military/ops/iraq_orbat_es.htm
(2) - International Herald Tribune, 8 de Março de 2007 http://www.iht.com/articles/2007/03/08/news/surge.php
(3) - Ver Dan Biody. 2004. The Halliburton Agenda: The Politics of Oil and Money. Wiley.
(4) - Ver Paul W. Singer. 2004. Corporate Warriors: The Rise of the Privatized Military Industry. Cornell Univ. Press
(5) - Jeremy Scahill. 2007. Blackwater: The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army. Nation Books
Publicado originalmente no Avante!
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