quinta-feira, março 22, 2007

Mercenários no Iraque

Em Janeiro, Bush anunciou o envio de mais 21 500 tropas estadunidenses para o Iraque, uma escalada que recupera o nível de forças presentes no final de 2005 (160 mil tropas(1)), o mais alto depois da invasão. O anúncio teve particular impacto por contrariar a vontade popular claramente favorável a uma retirada e expressa eleitoralmente em Novembro passado: a administração Bush planeia ocupar o Iraque indefinidamente. A escalada implica adicionalmente o envio de sete mil tropas de apoio, incluindo 2200 polícias militares para lidar com os prisioneiros resultantes das detenções previstas na cidade de Bagdade(2).
Face aos seus objectivos, este reforço tornava-se necessário já que a «coligação dos dispostos» se está a desarticular. À retirada significativa da Espanha, após a vitória de Zapatero, seguem-se as retiradas do Iraque dos contingentes da Dinamarca e Polónia, e a redução dos da Correia do Sul e Grã-Bretanha. Note-se, porém, que em muitos destes casos à redução de tropas no Iraque correspondeu um aumento da presença desses mesmos países no Afeganistão, onde a situação está progressivamente mais fora de controle dos ocupantes.
A ocupação estrangeira do Iraque porém não se resume ao nível das tropas de combate. Igualmente significativo é a presença de 100 000 civis e a trabalhar para empresas privadas, incluindo 48 mil forças de segurança privadas. O uso de empresas privadas pelas forças militares dos EUA remete para o fim da Guerra Fria, quando o Pentágono, sob a liderança de Dick Cheney, pensou manter algum nível de operacionalidade e poupar custos fazendo o outsourcing de alguns aspectos logísticos. Contratou-se então a Halliburton(3), empresa que Cheney viria a presidir após sair da Casa Branca, e que actualmente, quer directamente quer através da subsidiária KBR, é o principal fornecedor de apoio logístico das forças militares no Iraque, tendo recebido já 20 mil milhões de dólares para garantir por exemplo a respectiva alimentação, lavandaria, e limpeza das latrinas. E não há sentimento patriótico que iniba a ganância do capital: a KBR tem sido acusada de cobrar por refeições nunca servidas, por cobrar em demasia pelo combustível e por quase dois mil milhões de dólares em despesas não identificadas.
Embora o uso de empresas privadas(4) não seja novidade, durante a actual ocupação do Iraque estas têm sido usadas de forma mais extensiva e central: durante a primeira guerra do Golfo, haveria um privado para cada 50 militares; na invasão de 2003, o rácio já seria de 1 para 10 (a KBR construía bases militares no Kuwait um mês antes da invasão); e durante a ocupação esse rácio ronda os 1 para 2. Significativo é também o uso de forças de segurança privadas, ou mercenários, que constituem a segunda maior força de ocupação. Não estando articuladas na cadeia de comando militar, funcionando à sua margem e cuja responsabilidade está muitas vezes mascaradas por uma névoa de contratações e subcontratações. Geram-se assim problemas resultantes da saída de operações das empresas, quando a situação se torna demasiado perigosa, e de falta de coordenação entre as empresas e os militares. Para tentar coordenar operações, a Autoridade Provisional da Coligação ... contratou uma empresa, a Aegis, ao som de 300 milhões de dólares.
Os mercenários não se limitam a garantir a segurança de jornalistas e empresários. São também eles, e não os militares, os responsáveis pela segurança de agentes do governo dos EUA. A Erinys – nome da deusa grega que persegue e pune – é responsável pela segurança do Corpo de Engenheiros. A Blackwater(5) foi responsável pela segurança de Paul Bremer, John Negroponte e de Zalmay Khalilzad, o actual embaixador dos EUA. Esta guarda pretoriana percorre impunemente o Iraque em SUVs e helicópteros armados, sendo responsável por incontáveis mortes de civis, e constituindo um alvo natural das forças resistentes – mais de 650 mercenários foram mortos no Iraque desde 2003. Esta matriz das forças militares e mercenárias vem dando novo significado ao termo complexo militar-industrial.
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(1) - www.globalsecurity.org/military/ops/iraq_orbat_es.htm
(2) - International Herald Tribune, 8 de Março de 2007 http://www.iht.com/articles/2007/03/08/news/surge.php
(3) - Ver Dan Biody. 2004. The Halliburton Agenda: The Politics of Oil and Money. Wiley.
(4) - Ver Paul W. Singer. 2004. Corporate Warriors: The Rise of the Privatized Military Industry. Cornell Univ. Press
(5) - Jeremy Scahill. 2007. Blackwater: The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army. Nation Books
Publicado originalmente no Avante!

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