Como parte do revisionismo histórico que há alguns anos visa redimir Salazar e a ditadura que terminou com a Revolução de Abril, está o argumento que essa ditadura não foi fascista. Mereça ou não esse epíteto em nada retira o seu carácter repressivo, promotor de injustiça social, que colocou o país num atraso economico e cultural do qual ainda sentimos os efeitos. É natural que os defensores de Salazar não queiram associar o seu regime a uma ideologia partilhada por Mussolini, Hitler, ou mais recentemente Pinochet. E o termo 'fascista' de tão arremessado terá divergido do seu sentido mais preciso. Portanto, há que recordar porquê o termo fascista é apropriado para caracterizar a ditadura de Salazar e Marcelo Caetano, o Estado Novo. Não há uma definição do termo universalmente aceite. Há quem o restrinja o termo ao facismo original de Mussolini. Há quem o defina de forma tão abrangente a incluir a social-democracia (os social-fascistas). Mas a maior parte das definições convergem nas seguintes caracteristícas:
1. Nacionalismo - o enaltecer das qualidades nacionais, com a promoção de mitos e tradições nacionais, associado à protecção contra influência exterior e à noção de superioridade sobre outras culturas. Daqui advém um inerente racismo e xenofobia.
Basta recordar os motes "Tudo pela nação, nada contra a nação" e "Orgulhosamente sós"; o paternalismo colonial (e perversamente racista); o ascenso de mitos nacionais como o Sebastianismo, o culto do Infante e da época de Ouro, ou, mais recente, a aparição de Fátima.
2. Anti-parlamentarismo e hiearquia com um poder fortemente centralizado - limitação dos poderes individuais; a população tem uma vontade comum, uniforme revelada não através da participação mas através da interpretação e acção do líder. Economicamente traduz-se também numa forte concentração de capital, em estreita associação com o poder político.
A didatura foi instaurada como reação ao parlamentarismo da I República e rapidamente o poder concentrou-se na figura de Salazar. Neutralizados foram quase todos os partidos políticos e sindicatos.
3. Anti-modernismo e anti-intelectualismo - rejeição da creatividade e diferença de pensamento. A verdade advém da capacidade de acção, não da razão, pelo que uma vontade suficientemente forte, violenta mesmo, justifica-se a si própria.
A censura actuou sobre todas as formas de cultura nacional e estrangeira.
4. Militarismo - centralidade das forças de segurança e militares, tanto para o combate do inimigo interno, como para a protecção contra ameaças externas e expansão (ou manutenção) da influência além fronteiras, implicando uma nação mobilizada. Aliado ao culto de guerra e do militar vem também um associado machismo e anti-feminismo.
Desde a PIDE/PVDE/DGS, à legião e mocidade portuguesa, à Guerra Colonial que durou 13 anos e causou a morte de mais de 8,000 portuguêses e dezenas de milhares de africanos.
Não procurei aqui ilustrar extensamente como cada um dos pontos se aplica ao Estado Novo. Deixo isso para o futuro e para reflexão de cada um. Mas aos defensores de Salazar e aos neo-fascistas do PNR: se subscrevem os seus princípios, não temam o rótulo, nem tentem passar gato por lebre.
sexta-feira, março 30, 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Anti-Modernismo não. Os regimes fascistas, pelas características de intolerância, repressão e censura são/foram contra a liberdade de criação. No entanto não se pode afirmar que eram anti-modernistas. Em rigor, as origens destes movimentos estão associadas ao advento do primeiro modernismo: o futurismo. Os futuristas aboliam a história e diziam querer erguer um mundo novo feito de super-homens (a leitura do manifesto futurista permite clarificar essa relação: http://www.dhnet.org.br/desejos/textos/futurista.htm ).
Na Alemanha o racionalismo (movimento que se enquadra no modernismo arquitectónico) foi abraçado pelo regime de Hitler. Com o mesmo espírito os nazis desenvolveram uma estética fria e aparentemente funcional (veja-se como a construção do carocha da volswaggen aparece no programa do partido nazi)
Na Itália de Mussolini passou-se algo do género, consta até que a denominação do estilo "Noveccento" se deve ao próprio .
Em Portugal não podemos esquecer a aproximação ideológica de alguns dos primeiros modernistas (tanto nas artes plásticas como na literatura)ao regime da ditadura, nem podemos esquecer que António Ferro manteve uma postura inteligente à frente do SPN.
Na Espanha franquista esse tipo de inteligência propagandística levou à nomeação de Picasso (!!!) como direcor do Museu do Prado.
Figuras como Almada Negreiros em Portugal e Dali em Espamha simpatizavam e eram "acarinhadas" pelo fascismo.
Não pretendo, naturalmente, minimizar os efeitos nefastos destes regimes, nem afirmar que a produçaõ artística e cultural viveu tempos de grande expansão ou euforia. Exponho isto porque acho que devemos estar muitíssimo atentos para compreender que a propaganda da extrema-directa faz-se valer desenvolvendo a ideia de que abraça o progresso e abre caminhos.
O facto de se desenvolver uma estética moderna do regime não significa que ele seja a favor da criatividade (porque a criatividade é filha da liberdade)
Os exemplos interesantes da Rapariga Vermelha merecem alguma reflexão. Quando me referia ao 'Moderno' não era ao movimento cultural dos finais do séc. XIX princípio do XX, mas sim ao valores da Idade Moderna, posterior à Idade Média, e portanto implicando os valores da razão, conhecimento, progresso, tecnologia, etc. A caracterização do facismo como anti-moderno aliás não é minha. Ela surge por exemplo na definição de facismo na Enciclopédia Marxista, ou no texto do Umberto Eco sobre facismo. Sobre a questão do modernismo em particular, Eco afirma que embora os nazis prezassem a tecnologia, enquanto um genuíno tradicionalista a rejeitaria, o orgulho nos seus progressos technológicos e o elogiao do modernismo era apenas superficial; a ideologia era baseada em sangue e terra (Blut und Boden). "A rejeição do mundo moderno era mascarado como uma reprovação do modo de vida capitalista. O Iluminismo, a Idade da Razão eram vistos como o princípio da depravação moderna." A contradição entre a necessidade prática de avanço (científico, industrial, até cultural) e uma associação entre os ideais modernos da razão com a depravação, será apenas uma entre muitas contradições do facismo. E nesse sentido concordo contigo que temos de estar atento e expôr essas contradições.
Postar um comentário