segunda-feira, agosto 11, 2008

As visitas do candidato

Texto publicado n'«O Avante!» Nº 1810, 07.Agosto.2008

O democrata Barack Obama visitou o Médio Oriente e a Europa no mês de Julho. Mais parecia o presidente eleito, e não um candidato: teve encontros com os mais altos dignitários em cada país, foi acompanhado pelos principais pivôs televisivos, e falou perante mais de 200 mil pessoas em Berlim, onde apelou ao derrube dos muros que nos separam, os muros entre países, entre raças e tribos, entre Cristãos, Muçulmanos e Judeus. «Temos de deixar estes muros abaixo», disse.
O líder da Iniciativa Palestina, Mustafa Barghouti, disse que o discurso foi fantástico, mas que «em Berlim já não há um muro. Preferia que ele tivesse feito esse discurso em Jerusalém, na Palestina, onde o muro tem três vezes o comprimento do Muro de Berlim, e é duas vezes mais alto». Obama visitou a Palestina, tendo passado 45 minutos em Ramallah, face às 30 horas passadas em Israel. Disse ainda Barghouti: «preferia que tivesse passado mais tempo no lado Palestiniano. Que tivesse passado algum tempo num campo de refugiados. Não é possível ter uma política nova sobre o Médio Oriente, sem alterar também a política sobre Israel e a Palestina. (...) Desde a iniciativa de Annapolis [de Bush e Rice] a taxa de expansão dos colonatos aumentou 20 por cento, o número de ataques israelitas sobre os territórios aumentaram 300 por cento, 520 palestinianos forma mortos, incluindo 17 crianças».
Durante a campanha das primárias democratas, Obama atacou Bush pela sua estratégia no Iraque, e defendeu um calendário de retirada, nunca sendo demasiado rígido nos detalhes desse plano (quantas tropas seriam retiradas, ao longo de quanto tempo). Obama defende um decréscimo dos actuais 140 mil para entre 30 a 80 mil tropas, ao longo de um período a determinar. Mas nunca uma retirada. Há que louvar a honestidade do candidato republicano McCain, que admite a presença de tropas dos EUA no Iraque durante mais 50 ou 100 anos. Afinal, os EUA mantêm mais de 73 mil tropas na Alemanha, 81 mil no Japão e Correia do Sul, 38 mil no Kuwait(1).

Mudança de estratégia

Mas é importante considerar que o seu plano de retirada do Iraque está intimamente associado a uma escalada militar no Afeganistão e eventualmente Paquistão. A resistência no Afeganistão tem assumido proporções crescentes nos últimos meses. Em Maio e Junho deste ano, faleceram ali mais tropas dos EUA do que no Iraque. A retaliação tem sido selvática. No início deste ano, os aviões da «coligação» lançaram mais de 1.800 bombas e mísseis sobre o Afeganistão, 40 por cento mais que no mesmo período em 2007. Só em Julho, três ataques aéreos dos EUA terão morto 76 civis, incluindo 47 civis, sobretudo mulheres e crianças, que participavam num casamento em Nangarhar. Dados da própria NATO, indicam a morte de mais 900 civis desde o início de 2008.
Obama, durante a sua visita a Cabul, declarou ao presidente Hamid Karazai, que considera o Afeganistão «a frente central na batalha contra o terrorismo», e comprometeu-se a enviar mais dez mil tropas dos EUA para reforçar os 33 mil já presentes na região(2). Mas a situação militar no Afeganistão é talvez ainda mais complexa e difícil que no Irão: o país tem o dobro da dimensão, com terrenos de difícil controlo, onde a guerrilha pode manter posições sem incorrer grandes custos, mas causando desgaste significativo ao ocupante, e possui uma larga fronteira com o Paquistão, local de treino e recrutamento de Talibans.
Por estas mesmas razões, quando nos anos 80 os EUA lograram gerar as condições para atrair os Soviéticos a entrar no Afeganistão, Zbigniew Brzezinski, então conselheiro do Presidente Carter, afirmou «agora temos oportunidade de dar à União Soviética a sua Guerra do Vietnam». Brzezinski é hoje um dos principais conselheiros do candidato Obama, portanto sabe no que se está a meter. Uma escalada no Afeganistão pode envolver ataques em território Paquistanês. Em Janeiro deste ano, Obama declarou claramente que seria favorável a um ataque militar unilateral dos EUA no Paquistão, sem conhecimento do seu governo(3).
Esta mudança de estratégia, do Iraque para o Afeganistão, é facilitada porque o movimento pela paz tem concentrado a sua argumentação sobre as mentiras de Bush para justificar a invasão do Iraque, sem dar suficiente atenção ao facto da invasão e ocupação do Afeganistão ser ilegal e injustificada, conduzida sem autorização das Nações Unidas e à margem da lei internacional. Os EUA tiveram que recorrer a uma operação essencialmente a cargo da NATO, e cujos objectivos, liquidar os Taliban e prender os lideres da al-Qaeda, estão longe de ser atingidos. O Afeganistão vive hoje condições de maior instabilidade, fome, pobreza e violência, que antes da ocupação.
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Notas:
1 http://www.globalsecurity.org/
2 Guardian, 15 de Julho 2008
3 Debate ABC News, 5 de Janeiro de 2008

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