domingo, outubro 26, 2008

Eleições em tempo de crise (I)

A crise financeira dos EUA e as suas repercussões globais são motivo de atenção e preocupação. A queda na bolsa não atinge apenas os mais ricos, mas afecta directamente os trabalhadores norte-americanos, cujas pensões estão investidas em Planos de Poupança Reforma – 401(K) –, os quais consistem em portfólios de acções. Menos atenção tem sido dada à simultânea crise da economia real dos EUA, a crise de produção, de vendas, de crescente empobrecimento e desemprego. Enquanto o governo federal aprova um pacote de ajuda financeira aos bancos na ordem dos 700 mil milhões de dólares(1), a classe média, os trabalhadores, o crescente número de pobres vê a sua situação agravar-se sem solução no horizonte.

O novo Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, escreveu recentemente: «Só nesta semana, vimos as vendas comerciais caírem num precipício, o mesmo com a produção industrial. As declarações de desemprego estão ao nível de um acentuada recessão, e o Philadelphia Fed, um índice de manufactura, está a cair ao ritmo mais rápido dos últimos 20 anos. Todos os sinais indicam uma depressão económica que será grave, brutal – e prolongada. (...) a taxa de desemprego vai certamente ultrapassar os 7 por cento, muito possivelmente os 8 pontos percentuais, fazendo desta recessão a pior num quarto de século».(2) Só este ano, o sector privado perdeu um milhão de postos de trabalho. A taxa de pobreza durante os dois mandatos de Bush cresceu de 11,3 para 12,5 por cento. Os trabalhadores têm visto os seus horários de trabalho reduzidos e os seus salários perderem valor face à inflação.(3) Embora esteja previsto um aumento do salário mínimo – rendimento de 1.7 milhões de estadunidenses – para $6,55/hora, este é muito inferior ao valor de há 40 anos, ajustado para a inflação: $10/hora.
Um número crescente de trabalhadores necessitam de um segundo (ou terceiro) emprego para obterem um rendimento de subsistência familiar. Mais de 3 milhões de famílias perderam a sua casa, por execução da hipoteca, nos últimos dois anos.

Desigualdade social e batalha das urnas

Em paralelo, cresce a desigualdade económica. Durante a presidência Bush, o rendimento médio decresceu 2,5 por cento para o quinto mais pobre da população, mas aumentou 9 por cento para o quinto mais rico. O 1 por cento mais rico da população possui cerca de 34 por cento da riqueza, mais que o 90 por cento mais pobre da população, que são quase um terço do total. À custa de grandes isenções fiscais para os mais ricos e os monopólios, e do dispêndio militar hercúleo (mais de metade da despesa militar mundial), incluindo a ocupação do Iraque e Afeganistão, a dívida pública federal ultrapassou a marca dos 10 milhões de milhões de dólares.

É neste contexto de grave situação económica, financeira e social que dentro a 4 de Novembro os norte-americanos vão às urnas. Toda a atenção está virada para as candidaturas de Obama/Biden e McCain/Palin. Mas estas não são as únicas candidaturas: ao todo existem 6 a nível nacional, entre as quais destaco Nader/Gonzalez (independente) e McKinney/Clemente (Partido Verde). Estas listas antimonopolistas, antiguerra e por mais justiça social e económica têm sido excluídas dos debates e da comunicação social.

Obama tem liderado as sondagens nacionais e também algumas pesquisas que têm em conta as sondagens estaduais (e portanto prevêem a composição do colégio eleitoral).(4) Cada Estado elege um número de delegados ao colégio eleitoral, valor diferente consoante o Estado; é o colégio que depois elege o presidente. Isto reduz a corrida eleitoral a apenas alguns Estados, os chamados Estados pendulares (swing states), cujo resultado é muito incerto, e sobretudo, entre estes, aos que elegem mais delegados ao colégio eleitoral, como Ohio ou a Florida.

Prevendo-se um aumento de afluência às urnas nestas eleições(5), já está a decorrer uma batalha por quem aparece nos cadernos eleitorais. Recorde-se que foi, em parte, através da exclusão de eleitores dos cadernos, em particular africano-americanos (que votam sobretudo no Partido Democrata), e da redução do número de mesas de voto (aumentado assim o tempo de espera), que Bush conseguiu vitórias tangenciais em localidades-chave garantindo (fraudulentamente) a maioria no colégio. Acrescem problemas com o voto electrónico, como no Estado pendular de Ohio, onde decorre um batalha judicial em torno dos cadernos. Um em seis eleitores foi apagado dos cadernos pela Secretária de Estado do Colorado (Republicana); mais de 2,7 milhões de eleitores foram apagados nacionalmente sob as novas regras aprovadas por Bush.(6) A luta vai até o próprio dia das eleições.
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(1) Este valor ultrapassa os orçamentos anuais conjuntos dos ministérios estadounidenses da Educação, Saúde e Defesa [só este gigantesco], o que corresponde ao triplo do PIB português (actualmente nos 232 mil milhões dólares/ano).
(2) New York Times, 17 October 2008
(3) Economic Policy Institute; epi.org
(4) O escrutínio eleitoral presidencial não é nacional (como demonstrou a derrota de Al Gore, em 2000, que obteve a maioria dos votos a nível nacional). Para projecções da composição do colégio eleitoral vejam o sítio do New York Times ou fivethirtyeight
(5) A taxa de abstenção para as presidenciais ronda os 45 por cento. Mas só em Ohio, Estado pendular, registaram-se 700 mil novos eleitores.
(6) gregpalast

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