quinta-feira, outubro 02, 2008

A guerra do coltan

Artigo meu publica no Avante! (Nº 1818, 02.Outubro.2008)

O controlo das zonas de extracção e transporte de petróleo assume um papel geoestratégico central, sendo causa de inúmeros conflitos militares. A ocupação do Iraque pelos EUA é apenas um dos exemplos mais recentes. Mas o petróleo não é o único recurso natural responsável por conflitos militares. Basta pensar na Guerra do Ópio (meados dos séc. XIX) entre a China e Grã-Bretanha ou nas guerras por monopólios agrícolas conduzidas pelos EUA no Caribe e América Central, entre muitas outras. Eis mais um exemplo.

O tântalo é um metal usado em capacitores (produzidos por companhias como a AVX, Epcos, Hitachi ou NEC) que, graças ao seu pequeno tamanho, são incorporados em placas electrónicas (chips) de telemóveis, computadores ou consolas (produzidos pela Alcatel, Compaq, Dell, HP, IBM, Intel, Motorola, Nokia ou Sony). A Austrália e o Brasil são os principais produtores mundiais deste minério. O rápido crescimento do mercado de bens electrónicos nos anos 90 fez subir o preço deste minério e a sua procura. Uma das fontes de tântalo é o minério columbita-tantalita, também conhecido como coltan.
As principais refinarias deste minério, como a H.C. Starck (Alemanha), Cabot e Grupo OM (EUA), Nignexia (China) ou Sogem (Bélgica), compram coltan a países exportadores como a República Democrática do Congo (ex-Zaire), Uganda e Ruanda. Embora se estime que o Congo possui entre 60 a 80 por cento das reservas mundiais de coltan, os outros dois países têm exportado grandes quantidades deste minério apesar de ser relativamente escasso nos seus territórios. Para entender este paradoxo é necessário rever sumariamente a recente história do Congo.

Na sequência do genocídio no Ruanda, em 1994, milhões de Hútus fugiram para o este do então Zaire. O Ruanda, liderado por Kagame, perseguiu os Hútus, invadindo o Este do Zaire. Kagame aliou-se localmente a Laurent Kabila, opositor de longa data do então líder do Zaire, Mobutu Sese Seko. À ofensiva veio ainda juntar-se o Uganda de Yoweri Museveni, que invadiu o Zaire pelo Nordeste. Coincidentemente, as zonas ocupadas pelo Ruanda e Uganda são particularmente ricas em recursos naturais.

Em 1997, os rebeldes congoleses derrubaram Sese Seko e Kabila foi aclamado como presidente. Em 1998, depois de ser vítima de uma tentativa de assassinato, Kabila expulsa as tropas estrangeiras responsáveis pelos massacres no Congo.

As forças ugandesas e ruandesas, porém, prosseguiram suas operações militares, forçando o Congo a pedir o apoio militar de Angola, Namíbia e Zimbabué. No início de 2000, Kabila é assassinado e o seu filho, Joseph, assume o poder. Um acordo entre as partes prevê o depor das armas e a formação de um governo de transição.

As primeiras eleições no Congo tiveram lugar em 2006, mas o Este do Zaire permaneceu ocupado. Entre 1996 e 2008, a guerra no Congo foi responsável pela morte de 5,4 milhões de pessoas, muitos por doença e fome, o que torna este conflito no mais mortífero desde a Segunda Guerra Mundial.

Desde 1996, as forças do Ruanda e Uganda têm aproveitado a presença no Congo para extrair ilegalmente os seus recursos naturais, incluindo diamantes e coltan. Ambos recusam retirar-se para manterem os elevados rendimentos resultantes desta pilhagem, exercida conjuntamente com violações dos direitos humanos das populações locais. Muitos camponeses são explorados pelos prospectores e as milícias fazem sobretudo uso de trabalho forçado, incluindo muitas crianças.

Entre 1996 e 1997, a produção de coltan do Ruanda duplicou, rendendo 20 milhões de dólares que têm financiado a actividade militar. Segundo os especialistas, embora tenha reservas capazes de produzir apenas cerca de 83 toneladas métricas por ano, o Ruanda logrou exportar 17 vezes mais. Por seu turno, o Uganda, que não tem qualquer coltan, exportou 69,5 toneladas em 1999.

As companhias que transformam o tântalo e o incorporam nos seus electrodomésticos garantem que não usam coltan proveniente do Congo, mas também alegam que não é possível saber com certeza a sua origem. Contudo, um painel da ONU acusou as principais corporações de refinaria de coltan de fomentarem as redes criminosas responsáveis por extorsão, violações, massacres, e chantagem no Congo.

Os políticos ocidentais também não estão isentos de culpa, pela ausência de acção, ou por apoios directos, como foi o caso do apoio do Pentágono à investida inicial do Uganda e Ruanda naquele país. A solução não passa pela aplicação de sanções aos três países, como sugerido pela ONU, o que só iria punir injustamente as populações. Mas na maior fiscalização e responsabilização das corporações (e potências estrangeiras) e numa acção diplomática concertada que obrigue a retirada do Uganda e Ruanda do território soberano do Congo.

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