«Como sabemos, existem conhecidos conhecidos; há coisas que sabemos que sabemos. Também sabemos que existem conhecidos desconhecidos; quer dizer sabemos que existem coisas que não sabemos. Mas também existem desconhecidos desconhecidos – coisas que não sabemos que não sabemos.»Este é um exemplo da clareza de comunicação de Donald Rumsfeld, Secretário da Defesa dos EUA, uma das figuras ideológicas e estratégicas centrais na Casa Branca desde que Bush II assumiu a presidência. Esta instância de poesia evasiva foi recitada, em 2002, após perguntas sobre a existência de armas de destruição massiva no Iraque. À semelhança de outros membros do círculo de Bush, Rumsfeld fez uso da oclusão, jogos de palavras e mentira para promover falsos motivos para invadir o Iraque, camuflando objectivos geoestratégicos que ele e o capital que representa vêm ambicionando de longa data.
O 9 de Setembro serviu de pretexto não só para trazer o Iraque para a esfera de influência directa dos EUA, como para conduzir reformas profundas na estrutura dos serviços militares, reforçar o domínio da DIA – Agência de Inteligência de Defesa, sob coordenação do Pentágono – no seio da comunidade de serviços de inteligência dos EUA, e estabelecer políticas militares explicitamente imperiais e beligerantes, tais como o objectivo de Domínio de Espectro Total e o uso de armas nucleares em combate convencional e de forma preemptiva.
Algumas das decisões de Rumsfeld foram contra a opinião e recomendações militares. Críticos internos foram premiados com reformas antecipadas ou afastamentos. Em 2003, o Gen. Eric Shinseki, então Chefe de Estado Maior do Exército, testemunhou perante o Congresso que a ocupação do Iraque necessitaria de mais de 300 mil tropas, enquanto Paul Wolfowitz, o falcão neo-conservador, então o número dois no Departamento de Defesa e agora presidente do Banco Mundial, rejeitou essa estimativa e recomendou menos de metade de contingente. Shinseki foi empurrado para a reforma antecipada em retaliação pela discórdia pública, num sinal claro à hierarquia que dissensão teria consequências. Depois da invasão, quando já era evidente que a ocupação iria enfrentar a resistência do povo iraquiano, o Gen. Anthony Zinni, ex-chefe do Comando Central, acusou Washington de não ter preparado efectivamente o pós-guerra, e pediu a demissão de Rumsfeld.
Contestação sem precedentes
Em Março deste ano, Shinseki e Zinni voltaram a público. E nos últimos dois meses, cinco outros generais na reserva tiveram igual postura, numa demonstração de desagrado pelo Secretário de Defesa por parte das patentes militares sem precedentes. O Major-General Paul Eaton, que treinou os militares iraquianos no primeiro ano de ocupação, argumentou nas páginas do New York Times que Rumsfeld «demonstrou ser estratégica, operacional e tacticamente incompetente». O Tenente-General da Marinha Gregory Newbold, oficial encarregue de operações antes da invasão, repreendeu as altas patentes, na revista Time, por terem agido «timidamente quando as suas vozes necessitavam urgentemente de serem ouvidas», e que em consequência do conformismo militar «executou-se um plano com falhas fundamentais para uma guerra inventada».
Os militares estão furiosos com a administração. O número de soldados mortos e feridos em combate acumulam-se. Os recrutadores militares enfrentam dificuldades em atrair jovens, e são frequentemente confrontados com protestos quando se dirigem a escolas e universidades. Rumsfeld foi inclusivamente processado por vários adolescentes de Nova Iorque alegando que o Pentágono tem uma lista ilegal de estudantes para serem abordados.
O exército recebeu ordens para executar tortura e quando tal vem a público foi este o responsabilizado. Rumsfeld não assume o seu nível de conhecimento e responsabilidade pela tortura de prisioneiros por si ordenada e conduzida em Guantanamo, Abu Ghraib, Bagram e dezenas mais de prisões militares estadunidenses. Segundo um recente relatório da Human Rights Watch, Rumsfeld recebeu comunicações regulares quando Mohammad al-Qahtani foi abusivamente interrogado em Guantanamo, e como tal deveria ser não só demitido mas processado, ao abrigo do princípio de Nuremberga que atribui a responsabilidade aos superiores por crimes cometidos, com o seu conhecimento, pelos seus subordinados.
Bush recusa-se, porém, a demitir Rumsfeld. É demasiado central para a sua política, e a sua demissão representaria admitir uma derrota política incomportável num ano de eleições para o Congresso e com a sua popularidade abaixo dos 35%. Em típica estratégia dos republicanos, não se muda a política, muda-se a imagem, substituindo o porta-voz da Casa Branca, Scott McCennan, por Tony Snow, um simpático jornalista conservador da cadeia televisiva Fox.
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