sábado, outubro 11, 2008

«Público» em crise financeira?

Na passada sexta-feira (dia 10 de Outubro) o jornal «Público» trazia uma notícia, de Filomena Neves, sobre o financiamento dos Partidos Políticos, com particular ênfase no PCP. O artigo traz alguns comentários de membros do PCP, mas sobretudo recorre a citações da Proposta de Resolução Política que está em discussão no seio do PCP, cujo texto final será aprovado no XVIII Congresso do PCP. A Lei de Financiamento dos Partidos é criticada pela voz dos membros do Partido, mas o tom que FN dá à situação financeira do PCP é um de "crise".

Só mesmo alguém profundamente aliada da discussão e trabalho de organização que se trava dentro do PCP pode ler as teses e concluir que há uma crise. Porque analisa o PCP como se fosse um partido como os outros (ver post anterior sobre isto). Mas o PCP não como os outros partidos. É «O Partido». É o Partido da classe operária e de todos os trabalhadores, cujo principal objectivo, contrariamente aos outros partidos parlamentares, não é ser uma organização de deputados, autarcas e governantes, com uma estrtura de apoio, cuja organização é mobilizada principalmente em tempos de eleições. O Partido tem como principal objectivo organizar a classe operária e outros trabalhadores em torno de um projecto de transformação, uma política alternativa, e um outro rumo para Portugal, um caminho de mais justiça, democracia nas suas várias facetas (económica, política, social e cultural, tendo em vista a construção do Socialismo, segundo moldes definidos pelo povo português.

Ora tal não se pode fazer com uma estrutura pequena, nem com actividade centrada durante as eleições. Trabalhar para esse objectivo implica um trabalho diário, de reforço da organização (em termos de número de militantes e quadros responsabilizados, e em termos financeiros). Isso implica grandes exigências financeiras e um contingente de funcionários, isto é, quadros a tempo inteiro. Por outro lado, pela sua natureza de classe, pela necessidade do Partido ser independente financeiramente, é fundamental que a sua fonte de financiamento seja o mais autónomo possível, devendo o peso de quotas e contribuições dos seus militantes e os fundos angariados durante iniciativas próprias (como a Festa do Avante!) constituir a fatia principal do seu financiamento. Recorde-se também que, contrariamente aos outros partidos, os membros do Partido que desempenham exercício público dão, por força da sua militância, parte da sua remuneração ao Partido, de forma a não serem nem beneficiados nem prejudicados pelo exercício desses cargos (seja ser deputado na Assembleia da República seja ser membro de uma mesa de voto).

A subvenção do estado será suficiente para partidos com estrutura orgânica reduzida, com objectivos eleitorais e eleitoralistas, sobretudo para o PS e PSD que têm grande representação parlamentar, e portanto maior subvenção estatal. Estes partidos beneficiam também de contributos provindos da classe social mais endinheirada. Mas o PCP não precisa de dinheiro apenas para as eleições, nem quer estar dependente da subvenção estatal. Daí a importância da recolha de contributos e quotas, de uma gestão rigorosa do seu património e corpo de funcionários, orientados para reforçar a organização partidária e a mobilização da classe operária e outros trabalhadores. Mas essa é uma tarefa prioritária sempre. Mesmo em períodos em que o PCP tinha mais deputados, mais militantes, mais funcionários, estas tarefas eram tomadas como prioridade. Tornam-se mais prementes quando as Leis aprovadas pelos partidos da burguesia atacam precisamente os meios de financiamento que são o garante da independência financeira do PCP.

Daí que o Partido afirme que a Lei de Financiamento dos Partidos tenha como alvo principal o PCP, como limita sobretudo as formas de financiamento importantes para um partido com as características do PCP. Esta legislação veio criar dificuldades ao PCP, em particular na angariação de fundos na maior iniciativa cultural e política do calendário Português: a Festa do Avante! Mas ainda assim, o PCP mantém um corpo de funcionários que ultrapassa largamente todos os outros partidos juntos, tem mais de 300 centros de trabalho por todo o país, tem participação regular em congressos de outros partidos revolucionários e outros eventos internacionais.

O artigo vem acompanhado desta figura que é reveladora da natureza diferente do PCP enquanto força partidária no contexto português. (Não faço ideia porque raio o PSD é colocado à esquerda do PS, no espectro partidário. Talvez seja o «Público» a reconhecer que o PS no governo tem uma política ainda mais à direita que o PSD.) O PS e PSD, como partidos virados para a ocupação do governo, tem mais membros, com preço de inscrição fixo. Mas serão meros sócios, cuja participação na vida interna dos partidos é reduzida, alguns dos quais nem pagarão do seu bolso a sua quota (como veio a lume, por exemplo, durante nos últimos congressos do PSD). Duvido também que qualquer destes partidos tenha tido uma campanha de recenseamento e actualização das fichas dos seus membros tão criteriosa como a que o PCP tem desenvolvido desde o XVII Congresso. Isto é, suspeito que os números de membros destes dois partidos estejam até algo inflacionados. Em todo caso, não me admira que estes partidos atraiam todo o tipo de sabujo e caloteiro interessados em ser membro apenas para se aproximar da possibilidade de receber um favor ou colocação num lugar de poder. E duvido muito que esses membros tenham oportunidade de participação na vida interna nos seus partidos tão alargada como no PCP, no seio do qual um militante de base tem oportunidade de participar em dezenas de reuniões, encontros, iniciativas e assembleias, para aí dar a sua opinião e contributo.

Por outro lado, o PCP destaca-se como o terceiro partido com maior número de militantes - contabilização esta feita após a referida campanha de actualização, isto é este número reflecte o número de pessoas que recentemente reafirmaram a sua militância. Porque não se é apenas membro do Partido, é-se militante. O PCP também terá membros que desenvolvem pouca actividade, que pagam quota irregularmente. Mas por outro lado, as receitas próprias do PCP, como as teses referem, equivale a 92% do seu orçamento total, do qual os contributos e quotas dos militantes constitui um porção significativa.

Noto também que o valor da quota não é fixa, é proposta por cada militante, em função das suas capacidades financeiras, como é próprio de um partido de classe, no qual muitos dos seus militantes são afectados pela exploração capitalista e vivem dificuldades financeiras. Há militantes que pagam uma quota magra, outros que pagam uma quota uma ordem de grandeza superior a qualquer outro partido. Não porque tal seja imposto pelo Partido, mas porque esses militantes, podendo suportar um contributo mensal superior, entendem dar o maior apoio financeiro possível ao Partido para que este mantenha a sua autonomia.

Se tanto ênfase é dado à questão dos fundos nas teses do Partido, é porque os objectivos políticos e sociais do PCP são amplos e exigentes. Se tivesse uma actividade menos interventiva, menos ligada aos trabalhadores e populações, sem um jornal semanal e revista mensal, sem a impressão de centenas de diferentes boletins informativos e panfletos denunciando a política de direita e divulgando a propostas alternativas dos comunistas, se dê-se menos atenção à sua organização e à mobilização dos trabalhadores e populações, enfim se tivesse uma actividade mais limitada, talvez não tivesse problemas financeiros. Mas então não seria o Partido Comunista Português. Seria um partido como os outros. E isso o PCP não é. Uma pessoa pode não concordar com as propostas do Partido, mas qualquer análise objectiva tem de reconhecer a sua verticalidade, capacidade de iniciativa, organização e mobilização, a sua ligação aos trabalhadores e populações, a sua capacidade de apresentar propostas alternativas (basta comparar o número de propostas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP com a dos outros partidos com mais deputados na Assembleia da República; ver por exemplo), isto é, o facto de não ser um partido como os outros. E essa característica provém do seu carácter de classe, da sua ideologia Marxista-Leninista.

Vem o «Público» falar de crise financeira no PCP?! Gostava de ver esse jornaleco publicar uma análise dos seus orçamentos, publicação que durante anos apresentou défice orçamental e cuja sobrevivência só foi possível porque o Belmiro de Azevedo, segundo o listagem da revista Forbes a 605º pessoa mais rica do mundo (em 2008), tem sustentado o défice de uma publicação que serve os seus interesse e lhe permite intervir politicamente e ideologicamente.

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