sábado, novembro 01, 2008

Uma das poucas recentes conquistas dos trabalhadores no seio da concertação social foi o acordo assinado em 2006 com vista à subida gradual do Salário Mínimo Nacional (SMN). O acordo recebeu a aprovação de ambas centrais sindicais, das associações de empregadores, e do Governo. O actual SMN é de 436€. O acordo previa uma aumento para 450€, em 2009, e aumentos até atingir 500€ em 2011.

As empresas vêm agora com o argumento que na presente crise económica e financeira um aumento de 23€ irá agravar a viabilidade das empresas e torná-las menos competitivas. Manuela Ferreira Leite, líder do PSD, um dos partidos representantes da classe capitalista, afirmou no dia 27 de Outubro, que o anúncio do aumento do SMN para o próximo ano por parte do Primeiro-Ministro "roçou o nível da irresponsabilidade", devido à actual conjuntura económica, como se este aumento não tivesse sido acordado já faz dois anos. Então e a sobrevivência dos milhares de trabalhadores que vivem na pobreza, e vêem os preços dos bens e serviços essenciais aumentar?

O Primeiro Ministro, José Sócrates retorquiu no dia seguinte
"Reparem na mesquinhez [sic] do que estamos a discutir: estamos a discutir a evolução de trabalhadores que ganham 426 euros para 450 euros. (...) Em Portugal e na Europa, consideramos 400 euros o limiar da pobreza. É espantoso e chocante ver os mesmos que aparecem tantas vezes na televisão a chorar lágrimas de crocodilo pelos novos pobres, virem agora lamentar o aumento do salário mínimo. (...) O ordenado mínimo é um instrumento social que serve para dar melhores condições de vida àqueles trabalhadores que ganham menos e que merecem, naturalmente, uma evolução do seu salário que esteja à altura das suas necessidades."(ver)
Deverá ser das poucas vezes em que identifico com as palavras de Sócrates, representante de outro partido defensor dos interesses da classe capitalista. Não posso deixar de sentir que há alguma demagogia da sua parte, tratando-se de um período pré-eleitoral. Mas no fundo, ele está apenas a re-afirmar um acordo, este efectivamente tripartido, da concertação social. O uso da palavra mesquinhez não é apenas um ataque a Ferreira Leite, reflecte também que Sócrates considera o valor de 24€ uns trocos. Assim não verão porém os trabalhadores que ganham o SMN.

No Público de hoje, o leitor Rui Murta escreve o seguinte:
O primeiro-ministro teve o descaramento de vir a público dizer que é mesquinhez que se discuta um aumento de 24€, sem no entanto o ouvirmos explicar que sobre esses 24€ as empresas pagarão quase 6€ de taxa social única, e os trabalhadores mais 2,5€. Se é mesquinho discutir 24€, por parte de empresas que lutam, a grande maioria, e nos tempos que correm, pela própria sobrevivência, não será muito mais mesquinho o Estado não abdicar desses 8,5€ que vai cobrar a empresas e trabalhadores?
Dado o estado da economia, e as imensas penalizações e impostos já suportados pelas empresas, não seria muito mais justo, e de menor impacto na economia, o Estado baixar a taxa social única das empresas em, por exemplo, 1%, o que permitiria até um aumento muito superior do salário mínimo, satisfazendo uma óbvia necessidade social, sem penalizar as empresas, geradoras de emprego e riqueza?
Quando se diz, no editorial, que este pequeno aumento "só" representa para as empresas um esforço adicional de 4,4 milhões de euros por mês, porque não se explica que o Estado (pela segurança social) vai receber, por conta desse "pequeno" esforço, mais cerca de 22 milhões de euros anuais em contribuições para a segurança social (são 14 meses por ano de contribuição, não nos esqueçamos), retirado exclusivamente ao esforço das empresas e trabalhadores?(...)
Pena é que a oposição não tenha também desmascarado esta autêntica fraude política, em que o Governo angaria uns milhões de votos, com uma medida aparentemente de bom samaritano, mas cujo custo efectivo é suportado apenas e exclusivamente pelas empresas e pelos próprios trabalhadores, arredando-se o Estado de comparticipar nesse objectivo que, em primeiro lugar, lhe caberia a si próprio promover.
Bom, há pelo menos um partido da oposição que tem proposto uma re-estruturação dos impostos pagos pelas empresas, o PCP. E que tem em conta não se podem tratar todas as empresas do mesmo modo. De forma análoga, o IRS não afecta de forma horizontal todos contribuintes, é um imposto progressivo, contrariamente ao IVA que é um imposto cujo montante é igual para que, ganha o SMN e para o Belmiro de Azevedo. Também entre as empresas encontramos as micro, pequenas e médias empresas (ver definição), que representam 95% das empresas em Portugal, e os grandes monopólios. Estes dois grupos de empresas enfrentam dificuldades de ordem muito diferente, ou no caso de alguns monopólios, não enfrentam dificuldades nenhumas, antes acumulam gigantescos lucros, por comparação. Sobre isto, o PCP afirmou em comunicado:
É absolutamente inaceitável que, ao mesmo tempo que dá garantias de 20.000 milhões de euros para operações entre os bancos sediados em Portugal [empréstimo de 200 milhões de euros ao Banco Português de Negócios], não haja uma única palavra, medida ou intervenção da parte do Governo PS que dê resposta ao gravíssimo problema, à situação de verdadeiro sufoco no plano financeiro, com que estão confrontados milhões de portugueses com o agravamento das taxas de juro e o pagamento das mensalidades nos empréstimos à habitação, quando aquilo que se impõe, tal como o PCP defende, é um programa de emergência que contemple a descida das taxas de juro e a limitação do spread. (...)
É significativo que na presente situação o governo continue a ignorar o quadro em que se encontram milhares de micro, pequenas e médias empresas (...), não se conhecendo nenhuma medida de fundo e com efeitos imediatos que possa contribuir para a resolução dos muitos problemas com que estão confrontadas.
Uma notícia da secção de Economia do Público de hoje explica que:
O PCP vai propor uma nova taxa de IRC de 30% para aplicar às empresas com mais de 50 milhões de euros de lucro, no âmbito do Orçamento do Estado para 2009.
Segundo os cálculos do deputado [d]Honório Novo, a aplicação da taxa de IRC de 30 por cento a "uma amostra de seis grandes grupos empresariais" que apresentaram resultados esta semana representaria um acréscimo de receita de 45,7 milhões de euros. "A crise não prejudica a todos nem da mesma forma", disse ontem o deputado, em conferência de imprensa. A taxa de IRC em vigor é de 25 por cento e o Governo propõe descer esta taxa para 12,5 por cento para as empresas com matéria colectável até 12.500 euros.
Para as famílias, o PCP vai propor actualização em 3,3 por cento dos escalões do IRS, a criação de um novo artigo para permitir a dedução dos encargos familiares com passes sociais e o alargamento do período legal com direito ao subsídio ao desemprego.
No debate da especialidade que está em curso, a bancada comunista vai ainda defender a eliminação do Pagamento Especial por Conta para empresas com um volume de negócios anual inferior a dois milhões de euros. Quanto à proposta do Governo que prevê a penalização para as empresas que não devolvam o IVA, mesmo que não tenham recebido dos seus clientes, Honório Novo considerou não ser correcto alterar o código tributário "para tornear soluções judiciais". Os deputados criticaram também os "gastos excessivos" de 900 milhões de euros previstos no Orçamento para a aquisição de serviços, ou seja, consultoria e escritórios de advogados. Também a "obsessão" com o défice voltou a ser criticada. O PCP defende que o Governo deveria aproveitar a margem orçamental permitida pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O grupo parlamentar do PCP contrariou os argumentos que o Governo usou para defender a sua proposta. "Não combate a crise, nem defende as famílias, despreza quem trabalha e não respeita os reformados e pensionistas e não serve as micro e pequenas empresas".
As propostas do Governo em matérias fiscais expõem claramente que o PS não é apenas um representante da classe capitalista, mas mais em particular, da classe capitalista monopolista. Atenção que, contrariamente ao que a etimologia da palavra pode sugerir, um «monopólio» não implica a existência de um empresa única num ramo de actividade, mas que há uma tamanha concentração de capital nesse ramo que uma ou mais empresas e proprietários dominam a concorrência nesse sector, determinando os preços de venda e açambarcando a grande parte dos lucros do sector. A Sonae constituiu um monopólio no sector da mercado de retalho, entre outros, através das cadeias Continente e Modelo. Existem naturalmente outras cadeias de grandes superfícies, umas nacionais, como a Feira Nova, outras estrangeiras, como o Lidl. E existem cadeias de super- e mini-mercados, e muitas pequenas mercearias, por vezes sustentadas por uma família. Mas os preços dos produtos são em grande medida determinados pelas cadeias de grande superfície, que fruto da sua escala e da taxa de exploração dos seus trabalhadores, conseguem não só dominar a concorrência das outras empresas, como acumular grandes lucros. É portanto muito diferente tomar medidas que favorecem a acumulação de capital por parte dos grande monopólios, ou que apoiam as as micro, pequenas e até médias empresas, essas sim que vivem grandes dificuldades, em produzir lucro e inclusive em ter acesso ao crédito. E por isso faz sentido, num sistema de capitalismo monopolista como o que vivemos hoje, que os trabalhadores explorados pelo capital formem uma aliança conjectural com os pequenos empresários, que também se vêem atingidos e prejudicados pelo Estado ao serviço do grande capital.

Um comentário:

IDEAL COMUNISTA disse...

Também se devia alterar as contribuições para a segurança social, pondo quem ganha mais a pagar mais!