A mercantilização da música e do teatro conduz a que estes sectores produzam materiais sem substância. Os projectos que efectivamente desejam intervir no espaço político, através da produção cultural, são remetidos a espaços e financiamentos limitados. Chame-se a este estrangulamento censura ou não, a verdade é que opinião, crítica e discussão política efectiva ocupa um espaço cada vez mais reduzido na produção cultural e na comunicação social.
Vem muito a propósito uma mensagem que recebi hoje do Qatrelcolectivo indicando que
O espectáculo "Amor", de André Sant'Anna, encenado por Marcos Barbosa e interpretado por Flávia Gusmão, programado pelo Director do TNDM II, Diogo Infante, para o Festival ao Largo hoje, dia 19 de Julho, às 22h, no Largo de S. Carlos, foi cancelado.Durante o fascismo, os artistas encontravam formas de passar mensagem nas entrelinhas, quer através da poesia e canção de intervenção, quer através da Revista. Os artistas partilhavam com os espectadores uma linguagem que, escapando à censura do estado, permitia uma crítica ao fascismo e um tubo de escape. Infelizmente, a revista está reduzida ao brejeiro e a canção de intervenção, quando surge, é tão ocasional que até consistiu notícia (como o caso recente da canção dos Xutos e Pontapés, que inclusive gerou exegese sobre se seria ou não crítica política).
Menos de 24 horas antes da sua apresentação, o espectáculo foi cancelado pela OpArt, na pessoa do director do festival, Pedro Moreira, após ter assistido apenas a uma parte do ensaio geral, sob pretexto de ser “ousado”. Trata-se de um acto de CENSURA.
Às 21h00 de hoje, os criadores deste espectáculo estarão presentes no Largo de S. Carlos, em Lisboa, assim como diversos artistas e cidadãos que não querem deixar impune esta posição inadmissível da OpArt que, independentemente de se colocar em causa a sua legalidade, constitui desde já um atentado à liberdade de expressão.
Vejam no fim deste post o manifesto a ser distrubuído hoje à noite no S. Carlos.
Neste panorama há, felizmente, algumas excepções, como a sátira política de grupos que mereceram alguma projecção e influência nacional, como os Gato Fedorento e Os Contemporâneos. A desconstrução da argumentação dos Gato Fedorento da mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa (ver) marcou o debate em torno do referendo sobre a IVG como poucas intervenções políticas. Alguns projecto, porém, como o "Vai tudo abaixo" são de um niilismo tão feroz que não fomentam o pensamento político, mas a descrença e apatia, e não a participação e a reflexão. Na minha opinião, tais projectos já descarrilaram da sátira política, nada contribuem para a democracia, não deixam espaço para a proposta, contributo positivo, nem ao protesto cívico (fazendo troça de quem se manifesta), e embarcado num tsunami onde nada resta senão a destruição.
Na linha da sátira política, enviaram recentemente este vídeo de um grupo amador que tem feito algum trabalho em palco e usa também a internet para divulgação: Projectos Diferidos. Vejam este vídeo recente sobre o Sócrates:
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OBSCENIDADE A SÃO CARLOS
A entidade pública promotora do festival ao ar livre no Teatro São Carlos, OPART, cancelou o espectáculo “Amor”, previsto para as 22 horas deste domingo 19 de Julho de 2009. Vinte e Quatro horas antes aquela entidade pública comunicou ao produtor que a peça, um monologo de 50 minutos seguindo um conto do escritor brasileiro André Sant`Anna, “ não se adequaria ao conteúdo previsto para o ciclo de promoção ao ar livre”.
Estranha-se antes de mais que uma decisão de programação, envolvendo desde o momento da sua adopção custos públicos, estabelecendo legítimas expectativas entre o público potencialmente interessado e comprometendo antecipadamente os profissionais envolvidos na preparação do espectáculo, seja adoptada em termos práticos à boca de cena.
Esta tarde o site de São Carlos ainda anuncia o espectáculo para as 22 horas.
O texto original de André Sant` Anna está publicado em Portugal há oito anos, permanecendo acessível em qualquer livraria de referencia. Inquieta-nos que a entidade pública promotora do festival ao ar livre esteja desatenta ou ignorante quanto aos conteúdos das obras artísticas que inscreve na sua programação, dado que é evidente que toda a decisão de escolha envolve a ponderação de riscos, que merecem ser devidamente considerados. Tal ponderação aplica-se mesmo a obras de maior dimensão universal como a Carmina Burana, companheira de programação do monologo “Amor”.
Inquieta-nos ainda mais que esta retirada de cena de “Amor”, seja determinada por razões de texto, por “todas aquelas palavras derramadas sobre o sangue das criancinhas esguichando sangue”, e o director de programação comprometido com um publico esguichando sangue, e a teoria de relatividade de tudo isto explicada pelo director de programação, ao público, que ouviu a Carmina Burana, a Menina Júlia e as Produções Fícticias e agora não assistirá ao monologo “Amor”, apenas por uma palavra, das mais obscenas quando praticadas sobre um acto artístico, que é censura. E não por todas as palavras, portuguesas do Brasil e de Portugal, que estão no monologo e nos falam de todas aquelas imagens, que estão no texto e na vida real de todas as pessoas, incluindo o director de programação.
Censura reagindo a palavras ali colocadas, que não nomeamos porque todas as palavras merecem ser cultivadas num texto literário. A obscenidade da censura supera toda a crueza das palavras que se ouviriam no Monologo, porque nenhuma entidade pública responsável por programação cultural pode julgar a adequação de um texto por um juízo de adequação entendido como moral, que cala por hoje o Monologo ao ar livre no Largo de São Carlos para empobrecimento do público.
E imperativo esconjurar a sombra de Censura em todos aqueles que estão em lugares públicos de programação gerindo dinheiros públicos e dinheiros do mecenato que chegam ao Público por virtude de leis que visam o Enriquecimento cultural.
Uma última referencia. o texto de Sant`Anna , embora completamente original, é impulsionado por uma referência ao filosofo – antropólogo Ernest Becker, prematuramente falecido no já distante ano do 25 de Abril e inspirador de alguns diálogos no filme Annie Hall, em 1977.
Ana Toivola Câmara Leme (Funcionária do Parlamento Europeu)
Jorge Lobo Mesquita (Diplomata)
Qatrelcolectivo
Associação cultural
Tel:918636908
http://www.myspace.com/oucontadoresdehistorias
http://sites.google.com/site/qatrel/Home
Um comentário:
'Amor' de hoje foi ontem cancelado mas hoje foi adiado para amanhã!
Viva a coerência!
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