sábado, outubro 24, 2009

Depois das eleições, quando será a ruptura?

Terminado o ciclo eleitoral de 2009 (uff!) e estando o novo governo em vias de tomar posse, há que respirar um momento e reflectir não só sobre os resultados, mas sobre o percurso da história. Para a esquerda (os sans-coulotte, não os girondinos) os resultados foram positivos (o PS perdeu a maioria absoluta), mas tiveram deixaram alguma insatisfação. Tanto trabalho, tanta luta, tanta força na campanha, tão evidente o falhanço da política de direita, e tão curtos os passos dados. Face à história luta social dos mais diversos sectores laborais, face à crise que o liberalismo vem evidenciando, face à perspectiva de mais ataques aos direitos dos trabalhadores e à função social do Estado, podia-se esperar uma rejeição mais pronunciada da política de direita, quer protagonizada pela direita tradicional (PSD/PPD e CDS-PP), quer pelo PS de José Sócrates. A ruptura necessária com a política de direita não veio a concretizar-se nas urnas numa dimensão suficiente para que se dê uma viragem política ao nível das instituições burguesas. Não tinha expectativas de que essa viragem ocorresse via o sistema eleitoral determinado pelas forças dominantes, com a consciência do eleitorado fortemente influenciada pela comunicação social ao serviço do Capital. Mas era necessário um sinal mais claro. Não tendo esse surgido nos votos, terá agora que continuar a expressar-se na luta e resistência dos trabalhadores e do povo.

Vem isto também a propósito de duas posturas que tenho constado entre os que lutam pela mudança. Os que assumem tratar-se de um longo processo histórico e os que concebem que esta poderá ocorrer a qualquer momento. A primeira vez que ouvi um camarada de meia-idade afirmar a sua dedicação à luta, mas que já não tinha esperança de assistir a uma mudança no seu tempo de vida, fez-me alguma impressão. Não sendo o equivalente ao cristão que sofre neste mundo, porque conta com a paraíso além da morte, mas expressava um travo de desânimo. Desalento que, de um momento para o outro, se podem traduzir num abandono da luta, na prioridade dada à melhoria das condições individuais. Alguns seguirão essa caminho, outros continuam a lutar afincadamente na perspectiva de melhorar as condições para as gerações seguintes, e porque lutar é preciso. Um camarada justificou esta atitude com o perigo do desapontamento caso se procure a mudança, e ela nunca mais surja. Mas eu creio ser mais positivo lutar com a perspectiva de que esta é possível, não só num futuro a médio ou longo prazo, mas também a curto prazo. Numa intervenção, exagerando esta posição, apontei até uma data para a revolução. Não me recordo bem, mas foi algo com 12 de Março de 2012. O exagero da data concreta de parte, não creio ser exagerado pensar que uma ruptura pode suceder a curto-prazo. Não cairá do céu. Será fruto da luta, da organização, da mobilização. Mas a história demonstra que mudanças radicais podem surgir rapidamente, que as condições sociais podem amadurecer com grande velocidade, sendo difícil antevê-las a uns anos de distância. A história do século XX está pejada de mudanças rápidas. Quem previa em 1955 que no quintal dos EUA surgisse passados 4 anos uma revolução socialista em Cuba? Quem previa após a queda do muro de Berlim que passados menos de uma década se alastrasse o movimento Bolivariano e anti-imperialista na América Latina?

Por isso, sem ilusões, luto porque é necessário e urgente, mas com a perspectiva que a ruptura pode estar ao virar da esquina. Luto para contribuir para virar essa esquina e andar pela avenida da liberdade e justiça social. Pois essa ruptura, essa revolução é não só necessária como possível, reunidas as condições. E a luta trava-se para criar essas condições. Tenho também cada vez mais consciência que a luta não termina quando se der a ruptura política, económica e social. Esta tomará outra forma mas persistirá durante gerações. Mas recuso, por feitio ou talvez pela minha juventude em erosão acumulada, acatar que não assistirei à ruptura.

Termino com uma citação do recente livro de Miguel Urbano Rodrigues (que recomendo), «Meditação Descontínua sobre o Envelhecimento» (p.90):
Gramsci escreveu na prisão que "o tempo é a coisa mais importante, é um simples pseudónimo da vida." Ele lutou até ao fim, mas esteve sempre lucidamente consciente dos estragos que nas fileiras da esquerda resultam da convicção de que não há alternativa ao capitalismo, quando ela se instala entre gente que começa a vacilar.

0 tempo para a classe dominante é, como lembra lstván Meszaros, o eterno presente e o futuro aparece-lhe como a extensão da ordem natural, isto é o capitalismo.

Ao capital é indiferente que o tempo histórico da humanidade transcenda o tempo dos indivíduos. Mas o revolucionário - e não só - faz suas aspirações e valores que aproximam a humanidade das suas potencialidades temporais, positivas.

0 tempo histórico de cada homem pode portanto entrar em conflito com o da humanidade ou estar em harmonia com ele, se, como ser social, fizer opções que ajudem a libertar a humanidade da ameaça de destruição, encaminhando-a para um futuro sustentável.

Como a vida humana é breve, a passagem do tempo, no processo de envelhecimento, gera, mesmo em jovens envolvidos em processos revolucionários sem perspectivas a curto prazo, um sentimento de inquietação que evolui para um pessimismo que empurra para o abandono, a ruptura do compromisso. Voltando a Meszaros, ele expressa essa realidade ao afirmar que a ordem social do capital "degrada o tempo inescapável do tempo histórico significativo - o tempo de vida tanto dos indivíduos como o da humanidade - à tirania do imperativo do tempo reificado do capital".

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