segunda-feira, outubro 19, 2009

Matar sem risco

A primeira preocupação de um presidente dos EUA quando decide envolver o seu país numa guerra é o número de fatalidades das suas forças militares. Os danos colaterais, isto é, as vítimas inocentes no território alvo não são suficientemente graves para obrigar a repensar uma acção militar. São, quanto muito, um problema de relações públicas a resolver. Mas vítimas Estadunidenses: isso já afecta a opinião pública doméstica. Há que camuflá-las (proibindo a publicação de fotos de caixões re-enviados para os EUA) e minimizá-las. O ideal seria poder infligir danos sem colocar em perigo as suas forças militares. E para isso é que o Departamento de Defesa recebe um orçamento monstruoso e as companhias como a Boeing, Northrop Grumman, Raytheon e Lockheed Martin recebem contratos públicos na ordem dos milhares de milhões de dólares. Nada melhor que as aeronaves de "reconhecimento", como este MQ-9, usado pelos EUA e Grã-Bretanha no Iraque e Afeganistão. Estas aeronaves comandas por via remota, e portanto sem pilotos ou passageiros (em inglês são referidos como drones ou UAVs: Unmanned Aircraft Vehicle), não são apenas para "reconhecimento". Alguns são armados com misseis Hellfire e usados para ataques sobre territórios inimigos ou mesmo sobre territórios "amigos" sem conhecimento e autorização dos mesmos: caso a aeronave seja detectada e abatida, não há risco de piloto capturado e problema diplomático. A aeronave em baixo, o Predador MQ-1, foi primeiramente usado para "assassinatos de precisão" no Afeganistão, a partir de bases no Paquistão e Uzbequistão. Claro que precisão é uma questão de opinião. O embaixador Paquistanês Azmat Hassan afirmou em Julho deste ano que dos cerca de 40 ataques usando UAVs, apenas 8-9 militantes da al-Qaeda foram mortos. O insuspeito Brookings Institute estima que 10 civis morrem por cada militante da al-Qaeda. A revolta entre os civis perante tais ataques e a intensificação do ódio face ao ocupante superam qualquer erosão que os ataques militares provoquem na organização terrorista.
Ora, resulta que o Presidente do EUA e Prémio Nobel da Paz, Barack Obama, já autorizou mais ataques de UAVs sobre território Paquistanês nos seus 9 meses e meio na Casa Branca do que o Bush nos seus 3 anos finais como presidente.

A política dos EUA na região é aliás aparentemente cheia de contradições. Para a entender é preciso rasurar qualquer fragmento de discurso aparentemente diplomático e ambição de estabilização. Como entender que os EUA apoiem o Paquistão e simultaneamente ataquem o seu território e cidadãos, sem autorização do seu governo? Como entender porém que coordenam com esse governo uma ofensiva militar Paquistanesa sobre o sul do Waziristão (no noroeste do Paquistão, junto à fronteira com o Afeganistão) levando 150 civis a procurarem refugio? Como entender que persistem em levar adiante a farsa das eleições no Afeganistão, quando as Nações Unidas reconhece que houve fraude e que aceitar os resultados fará mais para destabilizar o país? E que apoio deu os EUA ao grupo Suni Jundallah que cometeu o ataque no Irão que matou 6 comandantes da Guarda Revolucionário, o mais grave ataque nos últimos 20 anos?

Voltando ainda aos UAVs: estes foram usados também, em Março deste ano, pelas forças armadas Israelitas sobre a Faixa de Gaza, matando 48 civis, incluindo 2 crianças e um grupo de mulheres numa rua deserta. Mais uma demonstração de precisão. Apesar do cessar-fogo com o Líbano, Israel é acusado de voar UAVs sobre o território do Líbano em violação da Resolução 1701. Israel aliás tem outros meios de ataque à distância. Uma investigação das Nações Unidas sobre explosões no passado fim de semana no sul do Líbano revelou que foram devidas a aparelhos aí colocados durante o recente invasão de Israel, e detonados via remota por Israel, felizmente sem resultar em feridos.

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