Embora não tenha conhecido o Manuel Guedes, ter assistido à homenagem humanizou-o. É agora uma figura indelével na minha memória. Da mesma forma que um bom quadro do Partido é capaz de se recordar da conversa que teve com a Dona Luísa em Pedrogão; da fome descrita pelos Silvas de Alenquer; da frustração do João e Maria, jornalistas, mas que não conseguem emprego e fazem sucessivos estágios não remunerados, etc. É a ligação aos Zé's e Maria's por parte dos quadros do Partido que colectivamente constituem a «ligação às massas».
O Manuel Guedes teve uma vida extraordinária, que estava resumida nos painéis expostos (e disponíveis online). Depois de uma actividade na Marinha, organizando a ORA – Organização Revolucionária da Armada, que constituiu a determinado ponto 20% da organização do Partido, e editando o jornal clandestino «O Marinheiro Vermelho» (agora disponibilizado em versão digital), Manuel Guedes é preso (foi preso ao todo 2 vezes, passando 20 anos na prisão). Saído da prisão trava a luta na clandestinidade. Mas é preso de novo, mas consegue-se evadir do Tribunal Militar Especial!, um feito que gostava de conhecer melhor. Regressado ao trabalho clandestino, é enviado pelo Partido para Espanha, juntamente com o Pires Jorge, em Junho de 1936. Contado não haver problema em atravessar a fronteira para a República de Espanha, são detidos na fronteiro por falta de passaporte e por porte de arma. Reconheceram ambos não ter sido capazes de compreender as transformações que estavam em curso na Espanha. Estavam presos quando rebentou a Guerra Civil em Espanha, em Julho de 1936. Em 1938 são entregues à PVDE, mas Manuel Guedes deixou um relato da sua experiência em Espanha («El Paseo»), incluindo o contacto com republicanos anti-fascistas fuzilados pelos franquistas. O livro está agora disponível online (são apenas 32 páginas). É um documento de leitura rápida, mas muito educativo e comovente, desde os relatos das condições da prisão, as despedidas, os fuzilamentos, e a diferença de comportamento entre os revolucionários republicanos e os "esquerdistas" de vaga e moda.
Libertado em 1940 participa activamente na re-organização do Partido. É preso novamente em 1952 e liberto só em 1965, 9 anos depois do fim da sua sentença judicial. Mas isto são factos que podem ler nos painéis da exposição.
Acrescento apenas só mais umas palavras, que fui encontrar no «avante!» clandestino, em particular no S. 2, nº 48 (4ª Sem. Ago. 1937), p. 3. É um poema assinado por Manoel dos Santos. Usei "santos", o pseudónimo de Manuel Guedes, na pesquisa e este foi um dos resultados. Não é certamente Manuel Guedes (presumo que só terá começado a usar «Santos» mais tarde que '37). Mas lidas as palavras, não quero deixar de as partilhar e recordar. Pois são obra de mais um camarada que merece a nossa homenagem, são obra de um grande colectivo partidário:
VIVA A LIBERDADE!
Se queres ver um caso vil e repelente,
Mas belo ao mesmo tempo, segue-me leitor,
Vem à Informação. Primeiro, vês horror!
Formando roda, em tôrno dum valente,
Muitos polícias a bater furiosamente
Em corpo musculoso de trabalhador,
Vomitam palavrões, insultos sem pudor.
Cospem-lhe na face erguida nobremente
Festins de canibais ! A rir e a preguejar.
E um, num requinte de ferocidade,
Aponta-lhe a pistola ... (A cena vai mudar.
Tira o chapeu, amigo, a tanta dignidade!)
Faz pontaria e manda: «Viva Salazar !»
O preso, altivo, brada: «Viva a Liberdade !»
Manoel dos Santos
Manuel dos Santos, o autor da poesia a que, com o maior gôsto, damos publicidade é um dos filhos dignos da classe operária que bem merece a honra de pertencer ao valoroso Partido Comunista.
Prêso há cêrca de cinco anos, sob uma acusação falsíssima e improvada, Manuel dos Santos tem sido a vítima das mais bárbaras torturas.
Durante a organização do processo, foi espancado selvàticamente.
Os monstros arruinaram-no, então, para sempre.
Depois, sofreu durante mais de um ano, a horrível tortura do silêncio – que a monarquia abolira e a Ditadura restabelecer – não lhe permitindo, sequer, a distração de trabalhar.
Agora, sabemos que foi de novo espancado e submetido ao silêncio. Roubaram-lhe tinta, livros, tudo!
Manuel dos Santos, com uma coragem indomável, continuou sempre fiel à linha do comunismo.
Os seus escritos de prisão – novelas, contos, artigos de jornais e até poesias – são impregnadas sempre do mesmo ardor revolucionário, da mesma fé, dum amor infinito pelos que sofrem, pelos que são explorados.
O Partido Comunista orgulha-se de ter nas suas fileiras trabalhadores como o jovem Manuel dos Santos. A classe operária e o povo português devem orgulhar-se dêle!
Mas, por que é bem digno dela e um dos melhores soldados da sua causa, a classe operária deve empregar todos os esforços para o arrancar das garras do fascismo.
Trabalhadores, exijamos que Manuel dos Santos seja internado num sanatório como a sua saúde requere. Exijamos a revisão do processo de Manuel dos Santos.
Libertemos Manuel dos Santos e tôdas as vítimas do fascismo português.
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