terça-feira, maio 11, 2010

Entre festejos, aumentos

Que melhor ocasião? Depois das celebrações da vitória do campeonato pelo SLBenfica; no meio da visita papal: Teixeira dos Santos anuncia que não descartou (Newspeak para "esta a prever") aumentar os impostos. Quando estava nos EUA – uma federação fundada na recusa de pagar impostos ao império Britânico – tais afirmações eram a morte do artista, verboten. Felizmente, não padeço desse reflexo condicionado, pois há impostos e impostos.

Uns impostos actuam sobre rendimentos, outros sobre património, outros sobre o consumo. Uns impostos são directos ou progressivos (isto é, têm escalões maiores para rendimentos, consumos, etc. superiores; caso do nosso IRS e IRC) e outros são horizontais, iguais para todos. É o caso do nosso IVA, de 20%, e de 5-12% para os chamados bens de primeira necessidade como os produtos alimentares básicos (arroz, massas e água, por exemplo). Isto no continente, pois na Madeira e Açores é de 15% (e 4-8%). De qualquer forma, o Belmiro, o Berardo e o Américo Amorim pagam o mesmo por umas bombocas que o Zé Povinho, e Maria da Fonte e eu.

O IVA em Portugal já é alto. Veja-se em comparações com outros países da UE:

Não sendo dos valores de de IVA mais altos na UE, anda la vizinhança. Na vizinha Espanha é de 18% (depois de um recente aumento de 2%), na Alemanha 19%, no Reino Unido 17,5%.

Ora, não sou economista, mas parece-me óbvio que a solução para o défice orçamental e a nossa economia portuguesa não passa por um aumento do IVA ou um imposto sobre os salários e sobre o 13º mês, outras possibilidades "não descartadas". Um aumento do IVA estrangulando os já magros rendimentos da vasta maioria da população, vai diminuir o consumo interno e atingir sobretudo as pequenas e médias empresas (com algum possível benefício das grandes superfícies). Só vejo desvantagens macroeconómicas nisso. O mesmo sucede com aumentos fiscais sobre os salários e o 13º mês.

Se querem aumentar os impostos há uma panóplia de outras possibilidades que além de não agravarem as desigualdades sociais podem contribuir com milhões para os cofres do Estado. Aumentem os escalões contribuintes do IRS sobre as maiores fortunas: esses magnatas já não estão a investir na produtividade nacional, não há risco de esses impostos afectarem negativamente a nossa economia. Aumentem os escalões do IRC sobre as grande empresas: tal não afectaria as pequenas e médias empresas onde estão a maior parte dos postos de trabalho. Aumentem as tributações sobre as mais-valias e transacções especulativas, até como medida de maior regulação do capitalismo de casino que, mais uma vez, nada contribui para o sector produtivo e o PIB. E por fim, tenham tomates no combate à evasão fraude fiscal. Leiam o artigo do economista Eugénio Rosa (OE2010 – A EVASÃO E A FRAUDE FISCAL EM PORTUGAL EXPLICAM MAIS DE 3.000 MILHÕES DE EUROS DO DÉFICE DE 2009, E NÃO VAI DIMINUIR EM 2010; de Agosto deste ano):
Segundo o Relatório do OE2010, a perda de receita fiscal atingirá, em 2010, 2.536
milhões € quando, em 2009, atingiu 2.407 milhões €, sendo cerca de 69% só no IRC. Só no período 2005-2010, com Sócrates, o Estado perde 15.605 milhões € de receitas fiscais.
Falar em aumentar os impostos que atingem os trabalhadores, deixando tranquilos os mais ricos e as suas empresas, só demonstra claramente a natureza de classe da política fiscal de um governo dito socialista. É que também há crise e crise. Nos primeiros 3 semestres deste ano, os grandes bancos acumularam lucro de 5,5 milhões de euros/dia.

Aviso: Com este post ambiciono, como forma de aprendizagem e arrumação de ideias, escrever mais sobre assuntos económicos. Mas devo alertar os leitores que não tenho qualquer formação académica em Economia, nem cadeira de liceu. A minha aprendizagem deriva de interesse, alguma leitura, ouvir cursos on-line, discussão com amigos, participação em cursos de formação, e um espírito crítico da comunicação social especializada. Tal pode ser uma desvantagem, pois custa-me particularmente entender algum léxico da economia ortodoxa. Mas por outro lado não sofri a lavagem cerebral dos estudantes nas actuais escolas de economia neoliberal. Tenho aprendido com os magníficos e claros textos do Eugénio Rosa, com o blog do Sérgio Ribeiro, com livros de alfarrabista, e alguns livros mais recentes. O mergulho mais fundo foi a leitura dos dois primeiros Livros do Capital de Karl Marx, lidos com dois camaradas num esquema intensivo: quase todos os dias líamos conjuntamente, às horas mais extremas do dia (às 6 da manhã, à meia noite). Como o SR notou, não será a forma ideal, mas foi a forma possível na altura. Com isto esclareço também que sou marxista (assim mesmo, com minúscula, pois Marx não pretendia que os seus trabalhos fossem entendidos como sagrados nem acabados). Espero porém que estes ensaios sejam úteis. Mas são ensaios – tentativas – e agradeço sugestões, opiniões, correcções técnicas e respostas a perguntas que certamente surgirão.

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