sábado, maio 22, 2010

Mais perguntas justas

Quem tenha andado mais distraído das notícias nas últimas semanas, facilmente perde o fim à meada da origem e momento em que foram anunciadas uma panóplia de ataques aos salários e pensões, ao 13º mês, de anúncios de privatizações, de subidas de impostos. Primeiro houve o Pacto de Crescimento e Estabilidade, acordado ao nível da União Europeia. Depois o Programa de Crescimento e Estabilidade, acordado durante um tango entre Sócrates e Passos Coelho. Este Programa por sinal tem o mesmo acrónimo que o anterior Pacto (Coincidência? A verdade é que confunde quando só se usam os acrónimos.). Chamemos ao primeiro PEC-UE e ao segundo PEC-PT. Como o PEC-PT não bastava, Sócrates, de novo dando as mãos com Passos Coelho, anuncia o Programa de Austeridade (podia-se abreviar para PDA). Aos acrónimos juntam-se inúmeras medidas avulsas, incluindo a publicação de há dias da diminuição das comparticipações nos medicamentos e o despacho afectando os nossos impostos que deveriam passar pela Assembleia da República, como foi levantado hoje na discussão da moção de censura.

Neste debate, Sócrates disse uma coisa de jeito: como é que o PSD [e os CDS-PP] – alvos da moção de censura, os três mosqueteiros dos interesses económicos e da política de direita – se abstiveram? De resto, Sócrates foi incapaz de justificar como é capaz de tão rapidamente e repetidamente contrariar-se. Diz que apresentar agora uma moção de censura é irresponsável. Assume que a sua apresentação só pode ter como finalidade o derrube do governo. Mas não. Uma moção de censura tem como objectivo político censurar a actuação do Governo, sempre que este mereça ser censurado. Se daí advém o derrube do Governo dependerá da AR e do autismo e ortodoxia do Governo.

Atingimos agora o máximo histórico de desemprego oficial (10,6%). Temos crescimento quase zero do PIB, sem perspectivas de recuperação (sobretudo se as medidas previstas pela direita forem implementadas, pois ficamos com o aparelho produtivo ainda mais delapidado). Temos um défice público quase nos dois dígitos! Isto então deve levantar as sobrancelhas dos que apesar da má governação Sócrates em maioria, voltaram a votar nele. Então ele tinha conseguido, à custa do sacrifício dos trabalhadores, das "reformas" dos sectores públicos, do encerramento de escolas, maternidades e centros de urgência, da reforma dos Laboratórios de Estado, etc. reduzir a despesa do Estado. Tudo para cumprir os sacrossantos critérios de convergência. Como é que agora subiu tão drasticamente?

No comício do PCP de ontem, na Voz do Operário em Lisboa, Jerónimo de Sousa, a meio da sua intervenção, colocou exactamente essas perguntas muito pertinentes
Em 2008 o défice estava em 2,8% e hoje está em 9,3. E porque é que aumentou assim tão rapidamente o défice do Estado? Foi porque o Estado resolveu aumentar fundamentalmente as despesas nos serviços públicos? Foi porque os trabalhadores da Função Pública foram substancialmente aumentados? Foi porque houve uma política arrojada de investimento?

Não! Foi porque o Estado e a banca pública tiveram de ir em socorro do sistema financeiro. Na altura o PCP advertiu: não venham depois apresentar a factura dos desmandos do BPP, do BPN e do BCP nos mesmos do costume. Contraíram a economia, caiu o PIB, cortaram as receitas, aumentou o desemprego, aumentaram os gastos com a subida do desemprego e com as ajudas aos banqueiros! E para coroar tudo isto mantiveram-se as célebres derrapagens das contas públicas.

Porque será que agora já ninguém fala no BCP, no BPP e no BPN, nem nas dificuldades de outros Bancos no auge da crise financeira? Os défices públicos aumentaram não pelos desmandos do sector público, mas sim pelos desmandos do sector privado, designadamente do sector financeiro!
Lembro-me quando era adolescente, sentir raiva quando entendi a forma como o FMI mantinha países da América Latina e África reféns dos seus Programas de Ajustamento Estrutural (PAEs?, pronunciados Pais). Países que depois de explorados e delapidados pelo colonialismo foram forçados a pedir crédito ao FMI, que os forçou a implementar programas neoliberais (a escola de Chicago com os seus pequenos tubos de ensaio) que abriram as portas às transnacionais e deixaram os aparelhos produtivos e serviços públicos nacionais de rasto. É entusiasmante ver agora esses países a darem o manguito ao FMI. Mas por outro lado, sinto-me em Portugal como um desses países nos anos 80. Sem soberania sobre o destino da nossa economia produtiva e monetária, coagido por estrangeiros a tomar opções políticas destrutivas para o país. Sinto que Portugal perdeu de vez a sua soberania, tendo à sua frente porta-vozes de interesses estrangeiros, e dominado pela agenda das transnacionais e do grande capital nacional. Isto é que vai um crise.

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