sexta-feira, julho 30, 2010

Conheçer a Terra ou o espaço

O Carl Sagan foi quem despertou meu interesse pela ciência, já lá vão muitos anos. A leitura de verão d’ «O Contacto» levou-me a ler «O Cosmos» e por daí em diante. Primeiro muita física (de astronomia à das partículas) e eventualmente muito mais biologia (onde me vim a especializar). Há hoje uma área que pretende fundir os dois campos, a Astrobiologia, que em parte se preocupa com a descoberta de formas de vida noutros planetas. Não me parece uma área de estudo demasiado descabido. Admito que suscite alguma curiosidade. Mas num contexto de recursos financeiros e humanos limitados, parece-me um enorme desperdício de tempo e dinheiro, que não me entusiasma particularmente e por vezes chego a considerar uma aberração.
Como é que se admite que se conheça melhor a superfície da Lua e Marte que a do fundo dos oceanos na Terra (que como Arthur C. Clarke disse apropriadamente, dada a % de coberto oceânico do nosso planeta, se devia chamar antes Mar)?
Como é que se admite que havendo ainda tanta espécie de vida, macro- e, sobretudo, microscópica no nosso planeta se invista dinheiro na vã tentativa de descobrir indícios de vida noutros planetas?
É certo que as missões espaciais têm como principal objectivo a descoberta de vida, mas sim a exploração do espaço. Os instrumentos de detecção de vida vão à boleia. Mas mesmo esse esforço de exploração do espaço me parece, reitero num contexto de recursos limitados, um desperdício. Gastam-se milhares de milhões para planear, construir, preparar equipa e lançar um Vai-Vem, mas um quantia comparativamente menor em explorar o fundo dos nossos Oceanos, que contêm não só inúmeras e curiosas espécies, muito distintas das terrestres e das marinhas que vivem perto da costa ou superfície. Provavelmente existem milhões de espécies de bactérias nos oceanos ainda por descobrir, algumas certamente com sistemas químicos totalmente distintos, que muito nos poderiam ensinar sobre a história da vida na Terra. Mas há quem defenda de alma e coração, no espírito dos descobrimentos e certamente depois de uma overdose de ficção científica, que a próxima fronteira é o espaço. Um certo cinismo da minha parte, não pode deixar de pensar que os produtos militares que resultam da investigação para a exploração espacial, e que a perspectiva de explorar recursos naturais nos planetas mais próximos é o que realmente motiva os que promovem a exploração espacial. A suportar esta hipótese está o facto da NASA já não construir Vai-Vens há vários anos (vai reciclando os antigos) – a nova geração de Vai-vem resulta de investimento privado.
A ficção científica é complementada pela ideia de que a vida na Terra pode ter tido origem extra-terrestre (panspermia), uma ideia promovida por exemplo pelo físico heterodoxo Sir Fred Hoyle. Li sobre esta ideia na altura que lia «O Cosmos» e outros livros do Sagan, e sempre me pareceu uma fuga à questão da origem da Terra. Em vez de investigar como pode ter surgido na Terra, atira-se a origem para o Espaço, sob condições totalmente desconhecidas e à escolha do freguês. Isto quando existem hipóteses e investigação muito plausível para responder à questão difícil da Origem da Vida na Terra.
Há esta ideia que se descobrir-mos indícios de vida extra-terrestre, não nos sentiremos “sozinhos no universo”. Mas a ser descoberta alguma forma de vida, será certamente de vida, muito possivelmente já extinta, na forma de bactérias, talvez nanobactérias. Eu cá não me sentirei menos sozinho na vastidão do Universo por saber que existiram umas bactérias em Marte ou Úrano. Não iremos certamente descobrir as formas de vida que tipicamente surgem nos filmes de ficção científica, seja na forma de monstros ou antropomorfos falando inglês ou em música (como no “Encontros de Terceiro Grau”. O Universo é tão vasto e o tempo de viagem entre galáxias de uma ordem de grandeza tão grande que, admitindo que exista vida, e que esta seja inteligente, e que nós fossemos capazes de comunicar com ela, a probabilidade de ambas as formas de vida – terrestre e extra-terrestre – é avassaladoramente pequena.
Temos muitas espécies na Terra a descobrir. Temos espécies na Terra conhecidas a desaparecer por actividade antropogénica. Deixemos a vida extra-terrestre para a ficção científica.

[Publicado no blog Viver a Ciência]

2 comentários:

Clara Belo disse...

Muito bom post. Quando fiz a Prova Geral de Acesso (PGA) para entrar na Faculdade de Ciências, escrevi na composição que 1% do dinheiro que a NASA gasta nas suas investigações davam para matar a fome no planeta Terra.
Eu por mim, acredito que deve existir vida noutros planetas ou galáxias a uma distância tão grande que nunca chegaremos a saber,porque não é compatível com a nossa temporalidade. Por isso essa questão não me preocupa minimamente. Também acho que há muito por descobrir aqui no nosso planeta.

Anônimo disse...

olá camarada,

visita o nosso blog, se quiseres:
http://olhequenao.wordpress.com/

Tomámos a liberdade de te associar a ele.

Um abraço,
J. Vasco