A NATO há muito que divergiu dos motivos da sua suposta constituição: «uma aliança entre países ocidentais, "democratas", de defesa mútua em caso de ataque por parte do bloco de leste que constituía uma ameaça e se vinha expandindo para oeste.» [Ainda me lembro de ser jovem adolescente e ter de apontar a colegas que o Pacto de Varsóvia foi constituído após a NATO.]
A reconfiguração e adaptação às novas correlações de forças no mundo teve um passo marcante em 1999, aquando do 50º aniversário da NATO. Importa lembrar que tal teve lugar sob a Administração Clinton, para que não se ache que tudo de mal na história recente dos EUA sucedeu sob Bush.O novo conceito estratégico então aprovado permitia a intervenção das forças militares da NATO fora da esfera dos seus países membros, sem que estes tenham sido ameaçados directamente, e sem a necessidade de aprovação das Nações Unidas, isto é, à revelia do direito internacional. Tal permitiu a NATO comemorar o seu aniversário intervindo na Jugoslávia.Por outro lado, a NATO tem sido totalmente inoperante em assistir na resolução de conflitos militares entre os seus estados membros, como é o caso mais flagrante dos conflitos entre a Grécia e Turquia no Chipre.
O novo conceito estratégico a ser discutido na Cimeira da NATO é em grande medida o alargamento dos pilares assentes já nessa altura. Mas é assinalável o processo de expansão do espaço de influência da NATO nestes últimos dez anos.
É interessante também assinalar que há discrepâncias entre os membros da NATO e da União Europeia, o que naturalmente irá criar conflitos à medida que a política externa decidida em Bruxelas e pela Agência de Defesa Europeia se coordenar com a NATO. Estas discripâncias são também fonte de fortes pressões sobre as organizações e os países para que haja cada vez maior coincidência entre a composição das duas organizações a nível Europeu.No mapa abaixo os países a azul (Austria, Finlândia, Irlanda, e Suécia) são membros da UE mas não da NATO, e em alguns destes países, caso da Irlanda e Suécia, pelo menos, há forte oposição popular contra a entrada na NATO. Por outro lado, os países a laranja pertencem à NATO, mas não à UE (Croácia – cuja existência como Estado Nação deve tudo à NATO– Eslovénia, Islândia, Noruega, e Turquia).
Acho que merece a pena reflectir sobre as consequências destas discrepâncias em termos de política externa da UE e da NATO, e sua articulação. Mas também extrair o que tal implica sobre o argumento da inevitabilidade de Portugal ter de pertencer a qualquer uma das organizações.Posto de uma forma, porque a presença de Portugal na NATO é inevitável e a sua retirada impensável se membros da UE não são membros dessa organização sem por isso serem penalizados, e tendo em conta que a saída da NATO seria a decisão mais conforme os artigos da Constituição da República Portuguesa?
Mas a NATO, que procura ter um alcance cada vez mais global, procurando no seu novo conceito estratégico legitimar a sua acção em qualquer parte do mundo onde os seus interesses possam vir a ser ameaçados, não se resume aos seus estados membros. Na última década têm-se multiplicado um número de tratados de vária índole que projectam os seus tentáculos em todos os continentes. [O ponto azul na América do Sul corresponde à Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França (!! – há partes do mundo que ainda não passaram ao neo-colonialismo, ainda estão na versão antiga)].
Membros da NATO (azul), membros da Parceria para a Paz (verde), Países do Diálogo Mediterrâneo (verde-castanho), e países com Planos de Acção de Parceria Individual ou Países de Contacto (verde) |
Os Planos de Acção de Parceria Individual (ou IPAPs) foram lançados em Novembro de 2002 com a Arménia, Azerbaijão, Bósnia e Herzegovina. Cazaquistão, Moldávia, Montenegro, Geórgia, e Ucrânia, isto é países fronteiriços com a Rússia. Os Países de Contacto são a Austrália, Coreia do Sul, Japão, e Nova Zelândia.
Quem tem dúvidas que a NATO pretende constituir uma estrutura à margem das Nações Unidas, que olhe para o mapa acima. Com a diferença que a Carta das Nações Unidas, do qual fazem parte todas as nações do mundo, apesar dos seus defeitos, tem sido um instrumento em favor da paz; enquanto a NATO é uma estrutura militar com pretensões hegemónicas de protecção de direitos dos seus países membros mais fortes e influentes.
Esta expansão a cada vez mais países têm também o seu significando relacionado com a actual crise financeira mundial. Apesar de liderar (de longe) o mundo em despesas militares, as ambições do imperialismo dos EUA não comportam financeiramente ou em termos de recursos materiais e humanos os seus objectivos geoestratégicos: há que cooperar, isto é, recrutar outros países a partilharem os custos financeiros e humanos das suas aventuras.
Uma última palavra sobre a ameaça nuclear. Quem se deixou levar pelos discursos do Presidente Obama que pareciam abrir as portas da desnuclearização, que leia as afirmações do Secretário Geral da NATO, ou do embaixador da EUA na NATO, Ivo Daalder. Este afirmou ao Público (2/out):
"acreditamos que a NATO mantenha a sua capacidade nuclear e que a responsabilidade por manter a dissuasão nuclear deve ser partilhada".
Nenhum comentário:
Postar um comentário