domingo, novembro 07, 2010

Jardim Botânico de Lisboa

O Jardim Botânico foi declarado na passada semana monumento nacional. Estando escondido de quem passe em seu redor, só um turista que marque no seu livro esse destino, um local, ou um conhecedor tende a visitar o Jardim. É pena, pois a visita é muito enriquecedor e prazenteira.

Entrei na Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL) em 1989, numa altura onde esta, em resultado do incêndio, ainda se encontrava provisoriamente em 3 locais de Lisboa: nas novas (e presentes) instalações, em construção, no Campo Grande; nuns edifícios feios, cinzentos na Av. 24 de Julho; e nas antigas instalações na Rua da Escola Politécnica. Tive assim ainda oportunidade de ter aulas nos velhos anfiteatros e laboratórios (incluindo o de Química, agora restaurado) e aulas práticas no Jardim Botânico ali ao lado. O Jardim era não só local de estudo, mas também de frequente confraternização. Na altura ainda tinha funcionários suficientes para manter os dois portões abertos, de forma que se podia entrar pela Rua da Escola e sair pelo Parque Mayer.

[Um aparte: imaginem o que é uma turma de 200 alunos ter aulas em 3 sítios tão dispersos por Lisboa. Os raros  que tinham horário que permitisse fisicamente chegar a horas a cada sítio iam perdendo a energia para tal maratona.]

A FCUL entretanto transferiu-se na totalidade para o Campo Grande, e os espaços na Rua da Escola, sendo ainda património da Universidade de Lisboa, foram convertidos em vários museus (incluindo o Jardim Botânico). O antigo refeitório (que antes disso havia alojado a Associação de Estudantes) foi durante um período usado como espaço do Teatro Nacional Dona Maria, exibindo peças de teatro relacionadas com ciência, um projecto muito interessante. No âmbito desse projecto, actuei como Darwin na peça After Darwin e em visitas guiadas ao Jardim Botânico, em que um guia do Jardim mostrava as várias plantas e eu assumia o papel de Darwin contando histórias da minha (sua) vida. Passei a ter uma relação de renovada afinidade com o Jardim Botânico. [Entretanto, a nova administração do TNDM desfez-se do Teatro da Politécnica, e outros espaço, e assim faleceu um projecto de mérito.]

O Jardim Botânico é um espaço admirável, não só pelo seu interesse científico como estético. Está numa localização ideal para a manutenção de espécies de todo o mundo e portanto diferentes climas, desde o trópico ao desértico, incluindo claro o temperado e mediterrânico. Condições essas devidas à sua dimensão, os diferentes micro-climas que as próprias plantas criam, mas também devido às condições micro-climatéricas criadas pelos prédios envolventes, que deixam um pelo céu aberto em todos os seus sentidos (sem arranha céus a quebrarem o vento, humidade e a vista). Assim, é lamentável que as condições tão propícias para um Jardim Botânico de grande qualidade esteja em risco devido à especulação imobiliária em torno do Parque Mayer.

A propósito desta especulação, diz o Público de sábado, que

a deputada municipal do Bloco de Esquerda (BE) Rita Silva declarou-se ontem chocada com o silêncio do vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes, perante o destino do Jardim Botânico de Lisboa.Em causa está o plano de pormenor para esta zona da cidade, que inclui também o Parque Mayer e que se encontra em discussão pública até 23 de Novembro. Para os bloquistas, os lisboetas não têm consciência dos perigos que o jardim corre se o plano for aprovado, por causa do aumento de construção previsto, quer para dentro do recinto verde, quer em seu redor. Preocupações partilhadas pela Liga dos Amigos do Jardim numa visita guiada ao local. "Com o aumento da altura dos prédios em redor do jardim - que já está a começar -, o Jardim Botânico torna-se mais seco e mais quente no Verão, devido à falta de circulação do ar. E isso impede que algumas espécies sobrevivam", explicou Pedro Lérias, dos Amigos do Jardim.

A visita incluiu uma inspecção à zona do recinto virada à Rua do Salitre, onde, apesar das denúncias da associação às entidades competentes, os prédios continuam a expandir-se, contribuindo para aquilo que os seus membros designam por asfixia do jardim. Há mesmo uma piscina em construção a escassos metros do muro do recinto, apesar de todos os monumentos beneficiarem de uma zona de protecção. Neste caso, a impermeabilização em volta do recinto é mais um problema, explicam os Amigos do Jardim. "Se o plano de pormenor for por diante, crescerá uma cinta de prédios em redor do recinto", assegura Manuela Correia, dos Amigos do Jardim.

A par da construção, o BE também critica as demolições previstas de alguns edifícios antigos que fazem parte do jardim, como estufas e herbários. As promessas dos arquitectos responsáveis pelo plano de pormenor de que tudo será reconstruído em cima de um novo edifício de quatro andares não os convence. Nem a eles, nem ao Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, que levantou obstáculos às demolições. Por outro lado, salientam os Amigos, as obras implicarão abate de espécimes vegetais, alguns deles em vias de extinção. "Gostávamos muito de conhecer a opinião de Sá Fernandes sobre isto", diz Manuela Correia. Para Rita Silva, a salvação do jardim está nas mãos da assembleia municipal, que ainda pode chumbar o plano.
 Com o voto de defesa do Jardim, poderão contar com a CDU. Mas, é irónico que o BE, que elevou o Zé a vereador se encontre agora na posição de rever as razões de porque ele fazia falta.


Quem diz o Zé, diz o Manuel ...

Um comentário:

Clara Belo disse...

Gostei muito deste post. Muitos parabéns!