Infelizmente, as Câmaras Municipais e/ou PSP – que já cometem ilegalidades ao retirarem arbitrariamente propaganda política legítima, sem sombra para dúvida, como cartazes ou pendões – tem na história recente assediado e preso pintores de murais. Vem a memória o caso dos militantes da JCP que foram presos e levados a tribunal em Viseu por pintarem murais alusivos ao Congresso da JCP.
Ainda mais recentemente, 4 jovens da JCP foram impedidos de pintar um mural em Lisboa, junto da Rotunda das Olaias. Não basta-se terem interrompido injustamente, mas os camaradas do sexo feminino foram obrigadas a despirem-se na esquadra!? Com que justificação policial ? Procurar pincéis escondidos !? A única justificação credível é a PSP querer não só intimidar como humilhar os pintores, e isso é abuso policial que deveria ser objecto de caso criminal contra a PSP. Até Ferreira Fernandes, no DN, sendo contra o "sujar" das paredes se indignou com esta acção e o silêncio em seu redor.
Isto para chamar à atenção de quem for pintar ou pichar que vá munido de conhecimento legal, senão mesmo cópias da legislação, e saiba onde pode ou não pintar.
A legalidade das pinturas é algo complexo que não presumo entender no seu detalhe. Mas confio na interpretação do Vítor Dias, no Tempo das Cerejas. Câmaras Municipais alegam que só se pode colocar propaganda política em locais disponibilizados, autorizados pela autarquia. Tal foi o caso de uma ma deliberação da Câmara Municipal de 1987, e que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão nº307/88 do Tribunal Constitucional. [Link directo, sem espera como 4shared do Tempo das Cerejas].Quem ler o Acórdão leia a declaração de voto da época do Vital Moreira. E depois compare-a com a sua recente opinião (ver Papéis de Alexandria) e veja mais uma faceta de vira-casacas de VM.
Mas atenção, que não é legal pintar em qualquer lado.O próprio Acórdão refere (p.256) que
"...no regime da Lei Eleitoral para a Assembleia da República a propaganda gráfica através de inscrições ou pinturas murais apenas é proibida «em monumentos nacionais, nos edifícios religiosos, nos edifícios sede de órgãos de soberania, de regiões autónomas ou do poder local, nos sinais de trânsito ou placas de sinalização rodoviária, no interior de qualquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo os estabelecimentos comerciais», e no esquema de previsão da Lei Eleitoral para as autarquias locais a pintura de propaganda eleitoral apenas se acha proibida nos «edifícios públicos, templos, monumentos, instalações diplomáticos e consulares e nas placas de sinalização de trânsito».
Vejam também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (3404-06.1TAVIS.C1 - 2º Juízo Criminal - Viseu). Segundo entendo (e não sou jurista) é preciso provar «dano», «destruição», «tornar inutilizável». Aos olhos deste Ácordão não foi possível provar «dano». Acresce que o muro em questão tinha já cartazes, pelo que impedir a pintura do mural da JCP constituiria descriminação. O ácordão diz também que o "direito de propriedade é um direito inferior ao direito de liberdade de expressão. Não pertence ao catálogo de direitos, liberdades e garantias. É um direito económico e nem sequer é o primeiro direito económico." (ponto 8 das conclusões, pag 7 do pdf).
Portanto com estas cautelas, é pintar e pichar no que sobra, até mesmo no chão.
Independentemente das legalidades, como é patente no meu outro blog Pixel is a Word eu adoro murais, pichagens, grafittis que tenho conteúdo (não acho graça às pinturas resultantes do desporto do tagging. Considero mesmo uma forte de arte urbana, que dá vida à cidade, a torna vibrante, espelhando os seus habitantes. Há umas que são pobres esteticamente (como alguém que escreve "amo-te marta"), mas que não deixa de ser belo. Depois há formas de criatividade de alto nível, como o Banksy. Os murais e pinturas apelativas à Greve ou à Paz não têm a mesma longevidade temporal que uma pintura como a dos prédios na Fontes Pereira de Melo. Mas mesmo essas, além de servirem um propósito mobilizador e assim darem vida à cidade; após as iniciativas são parte da memória da cidade. Eu acho lindo ver numa parede na Ameixoeira Velha, perto de onde moro, uma pintura, já meio apagada, alusiva a uma greve de há décadas, ou uma que diz "Vota APU".
É bom haver paredes limpas e prístinas, preservar-se monumentos, etc. Mas pensando na cidade como um todo: a parede de um viaduto é mais bonita se estiver toda lisa, ou com uma pintura espontânea? O que acho incrível é que se faça tanto barulho por causa das pinturas de parede, mas nada sobre a violência visual que é a publicidade. É quase impossível olhar em volta num ponto da cidade e não nos sentirmos rodeados por publicidade.
Numa cidade como Lisboa, com tanta parede e prédio degrado, deixe-se embelezar a cidade com arte urbana. Há zonas em que a abundância da pintura (e sobretudo dos tags) é tão grande, que se sente quase como overdose. Há partes do Bairro Alto assim; onde se lamenta também a falta de civismo pintando sobre azulejos, afinal outra forma de decoração. A questão é conciliar a liberdade de expressão com a defesa da propriedade privada e de "um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado" (como biólogo, não seu o que é tal ambiente "ecologicamente equilibrado"). Mas nessa conciliação, não devemos pender para posições conservadoras de protecção da propriedade privada (as paredes viradas para a rua podem ser propriedade privada, mas fazem parte do espaço visível pelo público); e não vejo como arte urbana pode perturbar o ambiente "ecologicamente equilibrado". Pelo contrário, muito mais que a publicidade, a arte urbana torna a cidade mais atraente.Que lindo seria uma cidade onde se circulasse como um museu, com as suas estátuas, os seus parques, as suas obras arquitectónicas, e as suas pinturas.
Um comentário:
Ah, mas quando é o Banksy (que também adoro) é arte que vale milhões (deve ter passado despercebido ao capital a crítica social, a defesa da Palestina...).
E por cá, onde há inclusivamente cultura mural, quando ela é significado de luta, intimide-se, limite-se, proíba-se se necessário.
Mas nós dizemos outra coisa: defendam-se os direitos, exercendo-os.
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