segunda-feira, janeiro 10, 2011

O preço de comer

De tanta conversa sobre o défice orçamental e a dívida pública, outros défices em Portugal igualmente importantes e relevantes economicamente e socialmente ficam ofuscados. Um dos quais, que pese embora a afirmação anterior ainda se ouve falar, é o défice comercial, o facto de importarmos mais que exportamos. Uma componente desse défice, o alimentar, é particularmente importante como garante da soberania nacional, pois com o presente aumento dos produtos alimentares, que tem efeitos sobre a economia, como um todo, a sobrevivência dos mais pobres, em particular, fica em sério risco.

Hoje o jornal Público anunciava que «na última década, [o ]défice da balança alimentar cresceu 23,7 por cento. Só em Outubro, gastos com importações de cereais quase duplicaram.»

A questão é naturalmente complexa. Mas confesso que a nossa dependência externa para o fornecimento de cereais me choca particularmente. Pois parte dessa dependência é directamente atribuível às práticas da política de direita conduzida no país, pelo PS, PSD e CDS-PP. Primeiro, pelos governos PS, após o 25 de Abril na destruição criminosa do processo de reforma agrária. E depois por estes partidos comprometerem a nossa produção agrícola em sucessivos acordos ao nível europeu, nomeadamente as Políticas Agrícolas Comuns (PACs), que para permitirem o escoamento do excesso de produção de cereais (e outros produtos agrícolas), subsidiaram a não produção em Portugal, dando a machada de morte a um sector económico e à vida de milhares de Portugueses.


Pense-se na tragédia que é a história de produção de cereais no Alentejo, alcunhado o "celeiro de Portugal", no tempo de Salazar em que a visão dos multi-fundiários era que a produção já estava nos seus limites. Limite fictício, criticado na altura por Álvaro Cunhal na "Questão Agrária", e comprovada como falsa com a ocupação de terras no processo de reforma agrária. Américo Leal, em "O Rosto da Reforma Agrária" sublinha que:
Em 1977, as UCPs [Unidades Cooperativas de Produção] produziram mais 248 mil toneladas de trigo, cevada e aveia que os agrários em 1974, o que representa um aumento de 46%. (p.141)
Estes valores começaram depois a diminuir devido ao ataque governativo do PS, com medidas ilegais e repressivas, contra a reforma agrária. Não tenho dúvidas que a combinação colectiva e criativa dos trabalhadores rurais e dos técnicos agrícolas poderia tornar os terrenos do Alentejo novamente altamente produtivos.


Este é um pequeno exemplo do paradigma de Portugal actual: tem o potencial produtivo, tem a sabedoria prática e teórica, mas não o concretiza por políticas de direita favoráveis ao capital nacional e estrangeiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Há que criar novas políticas que sejam efectivamente motivadoras para esta área em que somos tão deficitários.
Não basta falar, é necessário tomar medidas concretas, sob pena de comprometermos cada vez mais a nossa pobre economia.

Cumprimentos,