sexta-feira, outubro 05, 2012

Eleição de cidadãos independentes para a AR


Segundo artigo do Público, Rui Tavares e André Freire, no Congresso Democrático das Alternativas, defenderam que a desconexão sentida pelo eleitorado face aos partidos e os eleitos nos órgãos institucionais do Estado passa pela possibilidade de ”cidadãos organizados fora dos partidos [poderem] concorrer à Assembleia da República; ’uma parte dos deputados tem de ser eleita pelo voto popular’ (Freire sugere uma espécie de primárias para eleger cidadãos de fora dos partidos para as listas eleitorais)“.
Esta não é uma proposta nova; e já antes das eleições legislativas de 2009 escrevi sobre esta questão. Nessas eleições, haviam 15 opções no boletim de voto, incluindo alguns movimentos de cidadãos então criados e entretanto desaparecidos. Se formos comparar a nossa Assembleia da República com o Parlamento Britânico e o Congresso Estadunidense – de dois países com uma duradoura bipolaridade–, ou o Parlamento Italiano desde a última reforma eleitoral, a nossa AR ainda possui alguma diversidade partidária. Várias bancadas contam como deputados independentes. O actual governo, assente numa coligação partidária de direita, possui vários independentes. O que pretendo tentar ilustrar é que apesar de tudo o nosso sistema eleitoral permite que cidadãos independentes se organizem e concorram às eleições legislativas, e que vários cidadãos independentes sejam deputados da AR ou membros do governo. Portanto pergunto, será o sistema eleitoral que nos está a falhar ou são alguns dos Partidos políticos? Se a democracia não é participativa, como prevê a nossa Constituição, a falha está na nossa AR e sistema eleitoral ou na nossa cidadania. Entre muitas das pessoas que criticam os políticos e partidos (não todas, felizmente), mais do que uma frustração por não poderem participar na acção política, oiço uma pura demissão dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos e eleitores. Afinal de contas, existem inúmeras estruturas, que não os partidos e sindicatos, onde cidadãos podem intervir politicamente. E essas organizações têm o poder de reunir com os grupos e comissões parlamentares, apresentar propostas, e organizar abaixo-assinados que forçam a AR a discutir assuntos que considerem pertinentes. Só para citar um exemplo recente, a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica reuniu assinaturas para que a alteração do Estatuto de Bolseiro fosse discutido na AR. Havia dialogado com os grupos parlamentares, e vários apresentaram propostas. (Estas foram chumbadas e o governo optou por aprovar, em Agosto, uma alteração que veio piorar a situação, tendo mesmo obrigado o Governo a deferir uma das medidas, poucos dias após a publicação do novo estatuto.) Assim, concordo com Tavares que “uma democracia precisa de muitas pessoas”, mas entendo que essa participação pode e deve ocorrer no actual sistema. Os cidadãos precisam é de estar dispostos a assumir o desafio de participarem activamente. Não é para mim evidente que isso seja através de candidaturas individuais à AR. (Ao nível local, candidaturas individuais já se observam. Temos o caso do Isaltino Morais.)
Um discussão compreensiva da proposta de Tavares e Freire deve considerar as possíveis desvantagens de ter cidadãos não associados a partidos como deputados da AR. Eu confesso que votar em partidos, com projectos políticos abrangentes e públicos, resultado de alguma discussão (maior ou menor segundo os partidos), me dá maior tranquilidade no momento de voto. Sei que não estou apenas a votar nos nomes da lista, mas numa organização perante a qual os deputados eleitos terão de responder, implementando um modo de fiscalização do comportamento individual de cada deputado entre actos eleitorais. A priori, sem estar a pensar em ninguém em particular, sinto algumas reservas em votar directamente em pessoas para a AR. Se se estão a candidatar individualmente, será porque nunca se identificaram ou enquadraram em nenhum partido político, ou divergiram, saíram ou foram expulsos destes. Podem porém ser pessoas bem pensantes, bem intencionadas, que tenham historial de trabalho político e demonstrem capacidade de diálogo com pessoas diferentes. Podem também ser pessoas ambiciosas, incapazes de reconciliar as suas posições com outros, que sejam frentes para interesses obscuros. Por outro lado,  muito públicas que sejam algumas das suas posições, e por muito talentoso que seja o candidato, quem são os cidadãos que podem articular posições e propostas sobre a variedade de assuntos com que a AR tem de lidar? Devemos avaliar o carácter da pessoa, com base nas posições conhecidas, e confiar que nos irá representar condignamente e em conformidade com as nossas posições nos temas sobre os quais não se tenha pronunciado? Caberá ao eleitorado escrutinar, dirão. Mas como funcionaria isso na prática?
Freire falou em primárias para eleger cidadãos de fora dos partidos para as listas eleitorais. Estas seriam primárias, antes das eleições legislativas, no qual votaria quem quisesse? Das quais seriam escolhidos um número de candidatos a definir que estariam nos boletins de voto, juntamente com os Partidos? Seriam candidatos nacionais, ou seriam inseridos nos actuais círculos eleitorais? Como seriam financiadas as suas campanhas? (Deve causar no mínimo alguma preocupação à esquerda que candidatos com melhores ligações ao capital, aos meios de comunicação social, teriam campanhas melhor financiadas.)
Ainda que tenha expresso preferência pela votação em listas e movimentos, faço estas perguntas com o intuito de compreender como funcionaria esta proposta de eleição mista.  Escrevo também em plena consciência de que uma efectiva ruptura com o actual sistema, dominado pelas políticas de direita, e clubes de caciques, maçons e mandatários dos interesses do capital (que rodam entre cargos públicos e privados), não virá apenas com eleições. Só virá fruto de uma ampla frente de luta contra os monopólios e o poder que exercem sobre o poder político.

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