O Iraque tem uma das maiores dívidas externas do mundo (cerca de 200 mil milhões de dólares), incluindo reparações pela Guerra do Golfo de 1990. O pagamento de reparações foi imposto ainda durante o regime de Saddam.
O dinheiro era entregue à Comissão de Compensações das Nações Unidas (1), que depois o atribuía aos reclamantes. O Kuwait tem a receber a maior quantia, quase 60 mil milhões de dólares. Mas o dinheiro é também atribuído a corporações multinacionais, que na maioria dos casos nem reclamaram que a sua propriedade no Kuwait havia sido danificada, mas apenas que haviam perdido lucros devido à Guerra.
O pagamento de reparações não terminou com a destituição de Saddam. Nos últimos 18 meses, desde a invasão pelos EUA, o Iraque já pagou cerca de 1,8 mil milhões de dólares em reparações, substancialmente mais do que o seu orçamento para a Saúde e Educação. Setenta milhões foram para as forças ocupantes, os EUA e Grã-Bretanha. A maioria destes pagamentos pós-Saddam (78%) foram para corporações, incluindo a Halliburton, mas também a Pepsi, o Sheraton, e até a distribuidora de brinquedos Toys R Us. Se não tivesse sido forçado a pagar as reparações, possivelmente o Iraque poderia ter evitado o empréstimo de emergência do FMI de 437 milhões de dólares.
Os EUA têm feito esforços diplomáticos para o cancelamento em 95% da dívida iraquiana, alegadamente para que o Iraque possa fazer uso dos lucros petrolíferos para financiar a reconstrução do país. Na verdade, para que as firmas dos EUA possam ser pagas para reconstruírem o que as forças militares dos EUA destruíram, para que os despojos da guerra beneficiem apenas «o conquistador».
O amigo de confiança
O cancelamento da dívida assume tal importância que, em Dezembro de 2003, o presidente Bush apontou um amigo de confiança, James Baker III, como enviado presidencial especial ao Iraque para gerir a sua dívida externa. Baker foi secretário de Estado de Bush (pai) e, nas eleições de 2000, Bush (filho) chamou Baker para dirigir a sua equipa legal na Florida. A família Bush e Baker são também ambas participantes no Grupo Carlyle, o grupo de investimento privado que tem inúmeras ligações financeiras à família real saudita (2).
A ideia do cancelamento da dívida tem preocupado o governo do Kuwait que, em Julho de 2003, pediu a um consórcio que preparasse uma proposta de protecção dos pagamentos. O consórcio era formado pelo Grupo Carlyle (que tem como presidente honorário Frank Carlucci, recentemente homenageado pelo governo português), o Grupo Albright (liderado pela ex-secretária de Estado, Madeleine Albright) e outras firmas bem relacionadas. O detalhes da proposta apresentada pelo consórcio vieram recentemente à luz (3). O Kuwait transferiria a dívida de 27 mil milhões de dólares em reparações para uma fundação formada pelo consórcio, que utilizaria o seu plantel de estrelas da política internacional para pressionar os países credores e as Nações Unidas a garantirem o pagamento pelo Iraque. A proposta incluía também o investimento de 2 mil milhões de dólares num fundo gerido pelo consórcio, metade do qual seria investido directamente no Grupo Carlyle, por um período de 12 a 15 anos. James Baker estaria em óbvio conflito de interesses, pois seria simultaneamente membro do consórcio que procurava lucrar com as reparações e o responsável oficial dos EUA por procurar cancelar a dívida iraquiana, posição que aceitou já após a Carlyle se ter envolvido no processo.
Em resposta à divulgação dos detalhes destas negociatas, a Carlyle retirou-se publicamente do consórcio. Jamie Smith, porta-voz do Grupo Albright, disse ao Guardian que a proposta estava morta. Em todo caso, fica a dúvida se Baker terá usado a sua posição para manipular o andamento das negociações oficiais e coagir o Kuwait a aceitar a proposta do consórcio.
O tema da dívida iraquiana foi discutido no início de Outubro, em reuniões do G7 e do FMI. Baker não esteve presente, pois tem estado a acompanhar o presidente, negociando as regras dos recentes debates televisivos. A França e a Alemanha afirmaram apenas estarem dispostas a perdoar metade da dívida do Iraque este ano, podendo voltar ao assunto dentro de 3 anos. Estes países rejeitaram a insistência dos EUA no indulto de 95% da dívida, a menos que seja acompanhado de termos igualmente generosos para os países pobres mais devedores do resto do mundo. Os G7 não avançaram nada em concreto quanto ao cancelamento da dívida dos países do Terceiro Mundo, mas não deixa de ser significativo que estejam neste momento discutindo a melhor forma de o fazer, sem questionar a necessidade de libertar milhões de pessoas de uma dívida que há muito já pagaram.
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1) United Nations Compensation Commission (UNCC)
2) A firma de advogados de Baker, a Baker Botts, tem também entre mãos representar a família real saudita num litígio iniciado por famílias de vítimas do 11 de Setembro, que exigem um bilião [sic] de dólares em compensações.
3) Guardian, 13 de Outubro
quinta-feira, outubro 21, 2004
Negócios do Iraque
Posted by
André Levy
at
1:14 PM
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Labels:
EUA,
Iraque,
Médio Oriente
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