Estreou ontem no Teatro da Comuna, a peça "A Cabra, ou quem é Silvia", de Edward Albee. A peça está centrada numa família estadounidense liberal, de um casal de meia-idade, Martin (Carlos Paulo) e Stevie (Cucha Carvalheiro), e o seu filho homosexual de 17 anos, Billy (João Tempera). A peça abre com uma conversa quotidiana entre Martin e Stevie, que celebra 50 anos. Martin está destraído, esquecido, como se estivesse com início de Alzeihmer's. A conversa cheia de humor e esgimadelas retóricas revela uma relação estreita de grande amor entre os dois. Mas advinhas-se algo que virá perturbar a harmonia familiar. Stevie desconfia, com leviandade, de uma amante, mas ri-se quando Martin confessa tratar-se de uma cabra. Chega então o mais velho amigo de Martin, Ross (Víctor Soares), que tenta entrevista-lo, na ocasião do seu aniverário e ápice profissional. Mas a distração de Martin impedem o decorrer da entrevista, e após muita pressão do amigo, Martin confessa a sua bestialidade. Mas enfrenta dificuldades em explicar-se, em fazer-se ouvir, e sobretudo em fazer entender que não se tratou apenas de uma acto sexual, que sentia pela cabra, pela Sílvia, um amor equivalente ao amor que sente pela esposa de há muitos anos.
No segundo acto, Stevie confronta Martin, após ter recebido carta de Ross alertando-a. Stevie está destruida e destroi toda a mobília que encontra pela frente, deixando um palco de cacos e sofas revolvidos, um campo de guerra, um coração despedaçado, irrecuperávelmente. Mas estou a misturar as minhas metáforas. Uma crítica que mesmo durante a mais temultousa de discussões Martin e Stevie não esqueçem de fazer um ao outro, e ao filho Billy (mandado para o quarto, ou para o recreio). Albee pegou num taboo que, como Stevie explica, está para além das nossas espectativas, para o qual não nos preparamos, não temos padrão de referência. Para o qual, mesmo uma família liberal, tolerante, educada, não tem proteção. Martin tenta de novo explicar-se, mas não escapa à confição de que amava a Sílvia, que amava uma cabra. Conta como foi a um lugar onde outros também confessavam os seus casos com animais não-humanos, e tentar assim demonstrar como não é tão anormal, que estas outras pessoas tinham razões para a sua bestialidade. Para algums era mesmo normal. No caso de Martin, houve algo fulminante, que o ligou à cabra, a uma ternura rústica. Algo que nem ele é capaz de entender. Stevie sai de casa, destruida e prometendo vingança. No acto final, Martin confronta-se com Billy. Numa cena comovente, Billy admite que apesar de tudo, ama o pai. E quando pai e filho se abraçam e beijam na boca, numa demostração de afecto a reinar no sexual, entra Ross, numa cena que sublinha como a expressão sexual humana surge por todas as partes, manifestando-se por vezes com parceiros inesperados, um filho, uma cabra, um bébé. Acontece. São os nossos impulsos naturais. Fica por se frizar o argumento que é geral não actuamos esses impulsos Não somos pedófilos criminosos se fantasiamos fazer sexo como uma criança, apenas se o fizermos mesmo. Como espectador, fui houvidno a apologia de Martin sem sentir com ele verdadeira empatia, até que entrou Stevie, suja de sangue, arrastando uma cabra morta, a Silvia.
Grandes actuações de todo o elenco, num cenário simples e elgante, mas que permite a transformação de sala bem arranjada para terreno destruido. A ver! (encenação de Álvaro Correia)
quinta-feira, outubro 28, 2004
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