quinta-feira, julho 28, 2005

Live8

O megaconcerto Live8 foi visto por milhões de pessoas, ao vivo, nos múltiplos recintos, na televisão e internet, e outros mais comprarão o dvd e demais mercadorias. Com isto congregaram-se espectadores, ao som de rock&roll, sob a bandeira da campanha contra a pobreza, durante a cimeira dos 8 países mais ricos do mundo[1] (G8).

Será um sucesso de audiênca e vendas, mas politicamente foi um tiro de pólvora seca. Foi um tom de festa, não um protesto combativo. Ajudou a colocar a questão da pobreza e fome não cabeçalhos, mas não questionou as suas causas. Difundiu a noção da necessidade de cancelamento da dívida, mas não a promoveu como um direito, nem apontou o dedo acusador aos que usam o empréstimo financeiro como uma arma neo-colonialista de exploração e imposição do neo-liberalismo.

Pior. Reuniu os apoios de multinacionais, como a AOL/Time Warner, Ford, Walt Disney, que já viram enormes dividendos à conta da mensagem de solidariedade. E a África, verá algum deste lucro, acrescido à conta da sua miséria?

E mais, os promotores do concerto obsequiavam os líderes do G8, os mesmos que impuseram programas de reajustamento estrutural (PREs) em troca de empréstimos impagáveis, mantendo os países devedores em penúria e na persistente condição de devedor. A iniciativa só contribuiu para a campanha de relações públicas movida por Blair & Co., auto-promovidos a almas caridosas, dispostas a perdoar a dívida e a abrir os cordões à bolsa para ofereçer quantias historicas de assistência financeira.

Tudo tretas. Basta ver o acordo final com atenção, pois o diabo está nos detalhes. Primeiro, anunciam que duplicará o valor de assistência para US$50 mil milhões até 2010. Mas esta intenção (parte da qual inclui assistência já anunciada previamente) fica muito aquem dos 0.7% do PIB acordado como meta para assistência, em 1970!

Segundo, só beneficiarão de “alívio” da dívida 18 dos países pobres mais seriamente endividados[2], apenas 10% dos países mais carentes de alívio, em particular os que satisfazem os critérios do FMI/BM[3]. O G8 dará US$40 mil milhões para cancelar a dívida destes 18, uma boa fatia da qual ($11.3) apenas da Rússia, mas este total é repartido ao longo de 40 anos, o equivalente a um pagamento único de US$ 17 mil milhões, isto é, menos de 3% do investimento anual dos G7 em defesa. E esta “ajuda” vem compensada pela redução equivalente de assistência dos G8 para programas de educação e saúde.

Mas mesmos estes trocos (para os G8, claro) não vêm sem condições, semelhantes às dos PREs, que contibuiram para o agravamento da pobreza e descrepâncias entre o primeiro e terceiro mundo: estabeleçerem uma economia de mercado que proteja direitos de propriedade privada e promova o investimento privado. É abrir as portas ao capital estrangeiro para que intensifiquem a exploração, e abrirem o mercado doméstico a produtos estrangeiros (leia-se dos G8). Em troca, a venda de alguns produtos Africanos será facilitado. Mas também aquí as condições são chave. Por exemplo, roupa fabricada em África poderá ser vendida nos EUA, mas só se os texteis forem dos EUA ou se não competirem directamente com produtos dos EUA. (Cadé o mercado livre?) George Monbiot[4] exemplifica o nível de detalhe das condicionantes: roupa com fitas elásticas só serão aceitáveis se o elástico tiver menos de uma polegada de largura e for usado na produção de soutiens.

A este acordo o Sir Bob Geldof deu nota “10 em 10 na assistência, e 8 em 10 na dívida”. Mas entre os promotores do mediático Live 8 e os organizadores que mobilizaram milhares para protestarem nas ruas vai uma boa distância. Peter Hardstaff, dirigente do World Development Movement[5], retorquiu que os cometários de Geldof “não refletem a apreciação colectiva feita pelas organizações pelo desenvolvimento que integraram [a coalição] Make Poverty History[6]. Geldof está demasiado próximo dos políticos para ter uma visão objectiva do que foi alcançado nesta cimeira.” Um dirigente da War on Want[7], John Hilary, acrescentou “Geldof pode estar contente com as migalhas da mesa dos seus amigos ricos, mas nós não viemos à cimeira de Gleneagles como pedintes. Viemos exigir justiça para os pobres do mundo.” Os G8, depois de décadas a recusarem sequer considerar a ideia de cancelamento, chegaram a este ponto em virtude de uma continuada campanha consciente e militante. Sempre adaptando-se, o imperialismo transformou esta numa sua causa e modificou-a por forma a permitir, sob a aura de solidariedade, intensificar a exploração. Agora é mobilizar e continuar a luta.



[1] Os Alemanha, Canadá, EUA, França, Grã Bretanha, Italia, Japão. Estes constituem o G7 e juntamente com a Rússica foma-se o G8.

[2] Highly Indebted Poor Countries (HIPC)

[3] Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial

[4] Africa’s new best friends, 5 de Julho, The Guardian

[5] http://www.wdm.org.uk/

[6] Faça-se História da Pobreza; http://www.makepovertyhistory.org/

[7] http://www.waronwant.org/

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