O presidente dos EUA, George W. Bush, assinou a semana passada o Acordo de Comércio Livre da América Central (CAFTA 1), que incluirá os EUA, República Dominicana e cinco países da América Central (Guatemala, El Salvador, Honduras, Costa Rica e Nicarágua).
Este acordo foi modelado no já instituído Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA 2) entre o Canadá, EUA e México, que já conduziu à perda de mais de 750 mil postos de trabalho nos EUA, um milhão de desempregados mexicanos apenas no seu primeiro ano de implementação, inúmeras deslocalizações de empresas para o México e consequente falência de milhares de pequenas e médias empresas mexicanas.
A economia combinadas destes países da América Central representa apenas 1.5% do PIB dos EUA, mas este acordo prevê inúmeras vantagens para o capital industrial e financeiro dos EUA (permitindo às multinacionais exigirem indemnizações de governos que interfiram nos seus «direitos» de investidores 3), e representa um passo importante para avançar com as negociações de uma área de comércio livre para a toda a América – Acordo de Comércio Livre das Américas (ACLA 4), em particular pressionando países como a Argentina, Brasil e Venezuela a vergarem às exigências dos EUA ou ficarem de fora.
A administração Bush investiu politicamente com toda a força para garantir a aprovação do CAFTA. O próprio Bush, acompanhado pelo vice-presidente Cheney, reuniu com os republicanos do Congresso, apresentando este acordo inclusivamente como uma medida de segurança nacional. Segundo o porta voz da administração, Scott McClellan: «Este é um acordo que ajudará a expandir a paz e prosperidade no Hemisfério Ocidental … estaremos a apoiar os esforços democráticos que continuam a avançar no nosso hemisfério.»
A ironia destas afirmações não vos escapará. Afinal, foram os EUA que durante décadas apoiaram os regimes mais fascistas e sanguinários desta região, treinando os militares dos esquadrões da morte de El Salvador, e financiando os contra a combaterem a revolução Sandinista na Nicarágua.
Contestação promete continuar
A lição dos efeitos do NAFTA sobre a economia dos EUA não foi esquecida por inúmeros congressistas. Muitos democratas, que haviam votado a favor do NAFTA, opuseram-se a este acordo após fortes pressões dos sindicatos. O ex-candidato presidencial e congressista pelo Ohio, Dennis Kucinich, disse na sessão da Casa: «O CAFTA é para as companhias multinacionais que querem lucrar fechando fábricas nos EUA e deslocalizando para países com baixos salários.» Alguns republicanos dos estados produtores de têxteis, que perderam cerca de 200 mil postos de trabalho em virtude do NAFTA, foram convencidos apenas após a introdução de certas restrições no acordo. Por exemplo, uma condicionante obriga os países da América Central a utilizarem bolsos e forros produzidos nos EUA, nas vestimentas que exportarem para os EUA.
A votação no Congresso dos EUA foi estendida para lá da hora oficial, quando o número de votos contabilizados indicava a reprovação do acordo. Alguns votos contra republicanos, misteriosamente, não foram contabilizados na contagem final. Isto é, foram necessários truques e tempo extra para garantir a aprovação do acordo pela margem mínima (217 votos a favor, 215 contra).
Não é a primeira vez que este acordo é aprovado após o uso de jogos parlamentares. Em El Salvador, o CAFTA foi introduzido na agenda da última sessão legislativa (17 de Dezembro), à última hora (às 3 da manhã). A sessão prolongou-se até à manhã seguinte, após veemente oposição da FMLN5, tendo sido aprovado pelos partidos de direita. Mas a FMLN prossegue a sua luta, contestando a legalidade da aprovação. Em Março deste ano, o Congresso aprovou o acordo apesar dos milhares de manifestantes nas ruas de Tegucigalpa (Honduras). Foi tal a sua indignação, que afugentaram os deputados e ocuparam a Assembleia. Erasmo Flores, presidente do Sindicato de Motoristas Pesados: «Entramos na câmara, constituímo-nos como o congresso dos verdadeiros representantes do povo das Honduras, e votamos para cancelar a ratificação do Congresso.» Na Guatemala, o Governo foi forçado a adiar o processo de ratificação do CAFTA após grandes protestos populares. Também em Março, respondeu com violência e repressão contra manifestantes que tentavam novamente impedir o voto, provocando mais de uma dezena de feridos e dois mortos.
Para entrar em vigor o acordo terá ainda de ser aprovado pela Nicarágua, Costa Rica e República Dominicana, prevendo-se forte resistência nestes países.
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1 Central American Free Trade Agreement (CAFTA),
2 North American Free Trade Agreement (NAFTA)
3 Sob o chamado «Capítulo 11/Chapter 11» do NAFTA, 24 casos instaurados por corporações exigem um total de US$14.3 mil milhões de indemnizações dos governos nacionais, em casos onde as leis nacionais limitam a sua capacidade de exploração.
4 Em inglês, Free Trade Area of the Americas (FTAA)
5Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN)
quinta-feira, agosto 11, 2005
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