A última cimeira dos G8 foi revestida de uma tal névoa de promessa e esperança que só mesmo uma leitura atenta demonstra como não só foi defraudada, como não tinha fundamento à partida. Afinal de contas, quem é largamente responsável pela situação de pobreza e dívida insustentável senão os próprios membros do G8? Que tenham sido finalmente forçados a tomarem medidas de alívio da dívida de alguns países reflecte em certa medida o crescimento de um movimento global pelo cancelamento da dívida, mas também o reconhecimento pelo G8, BM e FMI que algums países atingiram uma tal bancarota, em virtude das condições impostas por essas mesmas organizações, que a única forma de poderem continuar as suas políticas de exploração seria cancelar a dívida. Assim, os G8 prometeram um cancelamento total da dívida de 18 países e dobrar a assistência a África de 25 para 50 mil milhões de dólares até 2010. Segundo inúmeras organizações africanas, tal afecta apenas um terço dos países carenciados e corresponde apenas a 10% da assistência necessária, muito aquém da meta de 0.7% do PIB para ajuda externa, estipulada em 1970. O Presidente Bush recusou subscrever até este compromisso. Aliás, os EUA apenas dedicam a proporção mais pequena entre os G8, apenas 0.16% do PIB, à ajuda externa; 50 mil milhões de dólares equivale a 10% do seu hercúleo orçamento anual para defesa.
Algumas organizações congratularam-se com o que chamaram «um primeiro passo» para resolver a pobreza em África. Deveríamos talvez aplaudir estas medidas, mas de promessas está Africa farta. Além do mais, estas promessas não vêm sem contrapartidas. Para delas beneficiar, os países devem comprometer-se a um conjunto de medidas económicas e políticas paralelas aos programas de ajustamento estrutural do FMI, que mergulharam estes países na dívida em que se encontram presentemente: privatizações, abertura dos mercados, desregulamentação, redução das despesas sociais, etc.
Embora Tony Blair, em momento de ascendente político, tenha sido apresentado como o grande promotor destas medidas, o seu formato foi largamente influenciado pelo EUA e multinacionais, pintadas não como a causa de muitos dos problemas em Africa, mas (pasme-se) como a solução para o problema da pobreza. Nos EUA, o principal instrumento de apoio a África é regido pelo Acto para Crescimento e Oportunidade em Africa(1). Um país candidato deve desenvolver uma «economia de mercado que protega a propriedade privada», «elimine barreiras ao comércio e investimento dos EUA», estabeleça um ambiente favorável aos interesses dos EUA, em troca de tratamento preferencial de alguns produtos selectos no mercado estadounidense. Estas exigências têm paralelo na Iniciativa HIPC(2) do FMI e agora na proposta dos G8. Isto é, os G8 fazem depender a sua assistência na abertura dos mercados africanos, enquanto mantêm subsídios agricolas domésticos mutlimilionários.
O grande negócio
As multinacionais, na sua procura constante de alargar os seus mercados, olham cada vez mais para os países subdesenvolvidos como a nova frente. Ainda que a maioria dos habitantes nestes países sobreviva com enormes dificuldades com menos de dois dólares por dia, é aqui que se situa a maioria da população mundial: de tostão em tostão se faz um milhão. O ideólogo desta estratégia, C.K. Prahalad, estima que este mercado representa uma oportunidade de 13 biliões de dólares anuais(3).
Entre as exigências aos países receptores inclui-se também a exigência de combate à corrupção, como se os governos mais coruptos de África não tivessem apoio político dos próprios G8 e os casos mais graves de corrupção, nos sectores de comunicação, energia e defesa, não fossem em participação com multinacionais e governos dos G8.
Esta não deixou de ser uma ocasião significativa pela mobilização e atenção dada ao tema de cancelamento da dívida externa, não tanto pelo concerto mediatizado Live 8, mas pelos quase 250 mil manifestantes em Edinburgo e os mais de 9 milhões de britânicos que compraram as braceletes brancas da campanha organizada pela Façam Historia da Pobreza (MPH (4)). Esta coligação, que inclui organizações como a Oxfam e Jubilee, alargaram a base de apoio do movimento, mas embrulharam-no num espírito de cooperação com os G8, deixando muitos dos participantes irritados. Waren Bello, fundador da Focus on Global South (5), recebeu fortes aplausos dos manifestantes quando fez ligações entre o combate à pobreza e as políticas do próprio G8, demonstrando que a base do movimento é mais radical que algumas das organizações que a encabeçaram.
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(1)African Growth and Opportunity Act
(2) Highly Indebted Poor Countries: Países Pobres Altamente Endividados
(3) Ver o seu livro: «The Fortune at the Bottom of the Pyramid. Eradicating Poverty Through Profits»
(4) Make Poverty History
(5) www.focusweb.org/
quinta-feira, julho 21, 2005
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