Em Maio de 2003, Bush aterrava num caça no porta-aviões USS Abraham Lincoln, na costa da Califórnia, para anunciar com grande fanfarra e teatralidade que «a missão estava cumprida». Passados quase três anos, os EUA estão atolados num cenário que não logram compreender nem controlar. O dirigente da resistência iraquiana Jabbar al Kubaysi assegurou, durante a sua recente visita a Lisboa, que a ocupação será derrotada, pois os EUA enfrentam uma cultura de resistência em todo o território. Os custos da aventura acumulam-se, e Bush enfrenta uma crescente oposição doméstica à presença no Iraque e dificuldades em recrutar jovens para servirem numa guerra sem perspectiva de fim ou vitória. O número de militares dos EUA mortos no Iraque ultrapassa já os 2300 (1) e o número de feridos excede os 16 mil. Uma estimativa conservadora aponta para cerca de 35 mil o número de mortos civis Iraquianos, mas os verdadeiros custos são inestimáveis. Há quem, contabilizando a batalha de Falluja, aponte para mais de 250 mil mortos.
Longe de dar mostras de conter as suas operações ou retirar-se, como o exige o povo do Iraque, a maioria do povo do mundo e a razão, a administração Bush reforça as suas operações. A agência Knight Ridder noticiou recentemente que o número de raides aéreos dos EUA aumentou dramaticamente nos últimos 5 meses, como ilustrado pelo recente ataque massivo a Samarra. Até à data foram gastos quase 250 mil milhões de dólares nas operações militares no Iraque (2), muito além das mais ousadas estimativas iniciais, e o novo orçamento federal dos EUA compreende um aumento de 44% na despesa militar no Iraque e Afeganistão. O Gen. John Abizaid, que coordena as operações militares no Iraque, em declarações à Casa de Representantes, não pôde excluir a possibilidade dos EUA manterem uma presença militar permanente naquele país: «Trata-se no fundo de garantir a livre circulação de bens e recursos da qual depende a prosperidade da nossa nação e do mundo.»
Nem tão pouco se verifica o abandono da noção de «guerra preventiva». Na versão 2006 da Estratégia de Segurança Nacional (3), o relatório presidencial apresentado ao Congresso que esboça a sua visão estratégica, a administração Bush reafirma os ataques preventivos como legítimos e destaca o Irão como o país que constitui o «maior desafio» aos EUA. Além do alegado programa de desenvolvimento de armas nucleares, o EUA acusa o Irão (e a Síria) de «albergarem terroristas no seu território e patrocinarem actividades terrorista fora de fronteiras», e enuncia claramente que o objectivo dos EUA é alterar o regime iraniano.
Ameaça nuclear
Consta que no gabinete do secretário de Defesa Donald Rumseld está emoldurada a seguinte frase: «Quando confrontado com um problema irresolúvel, alarga-se o problema». Os paralelos entre as acusações ao regime de Saddam Hussein, que se vieram a provar falsas, e o crescendo de acusações ao regime iraniano devem inquietar o mundo. Os EUA não têm contingente para uma nova invasão, nem o farão certamente contra um país que não se encontra enfraquecido por anos de bloqueio. Mas existe a real possibilidade de ataques «cirúrgicos» que excederão a dimensão do ataque israelita a Osiraq em 1981. Mais preocupante, esses ataques podem vir a envolver armas nucleares.
Desde Junho de 2005 que os EUA e seu aliados militares na região – Israel e Turquia – estão em «estado de prontidão» para lançar ataques aéreos ao Irão. Alguns analistas sugerem que armas convencionais poderiam ser usadas inicialmente e que em caso de retaliação iraniana a contra-resposta poderia consistir no uso das chamadas armas nucleares tácticas (4). A nova doutrina nuclear dos EUA (5), enunciada em 2005, vai ainda mais além da Revisão de Postura Nuclear que em 2001 já havia contemplado o uso de armas nucleares de forma preventiva. Este novo documento admite «acções antecipatórias» usando armas nucleares contra «armas ou capacidades que existem ou venham a existir a curto prazo, mesmo que não exista um imediato cenário de guerra».
Contrariamente à escalada contra a guerra no Iraque, os EUA conta agora com o apoio do eixo Franco-Alemão, tanto no conceito de guerra preventiva como, mais escandalosamente, no uso de armas nucleares. O presidente francês, Jaques Chirac, intimou em Janeiro que as armas nucleares francesas deveriam ser usada em ataques concentrados contra países que estivessem a considerar o uso de armas de destruição massiva. Não estaria certamente a referir-se ao uso pelos EUA de fósforo branco e quantidades massivas de urânio enriquecido no Iraque.
___________
1) - icasualties.org/oif/
2) - nationalpriorities.org/index.php?option=com_wrapper&Itemid=182
3) - National Security Strategy; www.whitehouse.gov/nsc/nss/2006/
4) - ver por exemplo textos de Michel Chossudovsky em
www.globalresearch.ca
5) - ver Doutrina de Operações Nucleares Conjuntas;
www.globalsecurity.org/wmd/library/policy/dod/jp3_12fc2.pdf
quinta-feira, março 23, 2006
Estado de guerra
Posted by
André Levy
at
12:34 PM
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Labels:
EUA,
Iraque,
Médio Oriente
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