sábado, abril 15, 2006

Escalada contra Irão

No consciente do Ocidente, a segunda guerra mundial é sinónimo da guerra justa, necessária, contra o mal absoluto. Não é pois inocentemente que, na preparação de acções militares, se conote um inimigo com Hitler, e seus propósitos como limpeza étnica. É uma mensagem rapidamente assimilável, que torna uma acção militar justa, sem necessidade de grandes justificações adicionais. Estes podem ser providênciados, mas são de certo modo acessórios se a equiparação com o mal foi aprofundada. Assim o demonstra o historial de argumentação em torno do derrube de Saddam Hussein. Depois de demonstrado e admitido que o Iraque não possuia armas de destruição massiva (a principal justificação para uma acção militar urgente), bastou reformular a justificação com base na maldade de Saddam (conotado com Hitler).

Tome-se como outro exemplo a campanha negativa promovida contra Slobodan Milosevic, Presidente da Jugoslavia, que apesar de ser quem tentou manter a união de um estado federal, multi-étnico, foi pintado como um novo Hitler, nacionalista e expansionista, com planos de limpeza étnica, uma caracterização mais válida para os seus rivais separatistas, apoiados pelo ocidente. (O livro de Diana Johnstone, Cruzada de Cegos - Jugoslávia, a Primeira Guerra da Globalização, da Editoral Caminho, providencia um excelente e detalhado relato da desagregação da Jugoslávia tal como das distorções cometidas pelos media.)

Do mesmo modo que foi necessário questionar o argumento das armas de destruição massiva, dando importância a motivos mais imperiais, é também necessário questionar as conotações com Hitler e o Holocausto. Tratando-se de uma simplificação, que apela a reacções emocionais, não promove a abertura e diálogo conducente à resolução de eventuais conflitos. O uso destas conotações não é inocente e as suas consequências sérias.

Daí que tenho tentado ter cautela quando oiço e leio as caracterizações do Presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, como um anti-semita, negacionista do Holocausto, que ameaça destruir Israel. O facto desta caracterização coincidir com uma escalada de pressão contra o Irão devido ao seu programa de enriquecimento de urânio, não será coincidente. É certo que esta caracterização é facilitada por um historial de afirmações árabes sobre Israel. Certo também que Ahmadinejad parece não evitar acções e discursos, só porque poderão ser mal interpretados pelo Ocidente.

Mas será o seu discurso verdadeiramente tão extremo como vem pintado nos media ocidentais? A última geração de afirmações controversas foram proferidas no fim de semana de Páscoa, durante a conferência em "Defesa de Al-Quds (Jerusalém) e Apoio aos Direitos de Palestinos", na qual participam representantes de 60 países. Ora dificilmente se pode prestar solidariedade com os Palestinianos sem tecer sérias críticas a Israel. Porém supostamente Ahmadinejad terá aludido à eliminação de Israel numa tempestade, o que naturalmente tem um sentido claro quando contraposto às notícias sobre energia nuclear.

Mas vejam-se as declaração de Ahmadinejad. "O regime Zionista é uma arvore em decadência que cairá com uma tempestade."

(Não leio Árabe. A citação é uma tradução minha do inglês para português. Das versões em inglês sugiro a tradução providenciada pela Agência de Notícias da Républica Islâmica, pois só para esta frase notei diferenças face à versão em inglês da Associated Press. "The Zionist regime is a decaying and crumbling tree that will fall with a storm." da IRNA vs “The Zionist regime is a rotten, dried tree that will be eliminated by one storm.” da AP.)

Só a leitura da frase completa revela que a implicação é uma implosão de Israel, e não a sua destruição por forças externas. O resto do discurso torna isso ainda mais claro.
"Só um governo escolhido pelo povo pode resolver o problema da Palestina e o povo da região. [Por 'Palestina' Ahmadinejad refere-se à região, não à Autoridade Palestiniana.] O direito de governar pertece a todos os povos da Palestina e eles devem decidir o modelo de governação da sua escola e eleger os seus próprios oficiais. Com este fim, tem de haver uma oportunidade para todos os genuinamente Palestinos, sejam eles Muçulmanos, Cristãos, ou Judeus, residentes na Palestina ou em Diáspora, participarem num referendum para determinar o seu sistema político e eleger os seus líderes. Por outras palavras, a única forma racional que é compatível com as normas internacionals é a realização de um referendo para todos os genuinamente Palestinianos. Os apoiantes do regime Zionista preferem manter o silência face a esta proposta razoável. Mas eu digo-lhe que apesar do que desejem, o regime Zionista está a cair aos pedaços. A árvore jovem da resistência na Palestina floresce e flore de fé e desejo de liberdade floresce. O regime Zionista é uma arvore em decadência que cairá com uma tempestade. Hoje até os habitantes da Palestina ocupada, especialmente os colonos Afrianos e Asiáticos vivem em dor, pobreza descontentamento. ..."
O texto completo permite vislumbrar um discurso que distingue entre Judeus e Zionistas, que rejeita Israel, enquanto estado judeu, sem igualdade de direitos e oportunidades para todos os povos da região, prognosticando que o caminho de Oslo (2 povos 2 países) não é uma solução sustentável e oferecendo uma proposta referendária com tons longe do beligerante.

Este discurso foi também criticado por Ahmadinejad ter novamente posto em causa o Holocausto. Mas leiam-se as declarações mais completas:
"Com respeito por todas as nações e seguidores das religiões divinas, nós perguntamos se essa atrocidade [o Holocausto judeu] é verdade, então porque devem ser as pessoas da região a pagar por ela com a ocupação de terras Palestinianas e a supressão do povo Palestino, desalojando milhões de Palestinianos, destruindo as suas cidads, zonas rurais e terras agrícolas. (...) Se há dúvidas quanto ao Holocausto [judeu], não existe dúvida do disatre e Holocausto Palestino. Persiste há mais de 60 anos."
Ora é certo que Ahmadinejad admite dúvidas quanto à realidade ou dimensão do Holocausto judeu (algo que pessoalmente acho irrazoável), mas admitindo que terá ocorrido questiona se é justificação para o que sucedeu de seguida.

Publico estes transcritos não como uma apologia de Ahmadinejad, mas para contrariar as simplificações feitas ao seu discurso.

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