domingo, fevereiro 08, 2009

«Lindos Dias» no NEGÓCIO/ZDB

Lindos DiasTexto Samuel Beckett | tradução João Paulo Esteves da Silva | apoio à dramaturgia Miguel Castro Caldas | encenação Bruno Bravo | interpretação Raquel Dias, Gonçalo Amorim | cenário Stephane Alberto | figurinos Ana Teresa Castelo | assistente de encenação Ricardo Neves Neves | direcção de Produção Mafalda Gouveia | produção Primeiros Sintomas | co-produção Galeria Zé dos Bois

De 4 a 21 de Fevereiro de quarta a sábado às 21:30 no NEGÓCIO/ZDB, Rua do Século 9, Lisboa
Tel: 213 430 205
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Há meses que não ia ao teatro, um dos meus grandes prazeres. Finalmente, tive oportunidade de ir ver a estreia de «Lindos Dias». Que grande re-entrada. Beckett não um teatro fácil, de encenar, de interpretar. Mas Bruno Bravo já havia demonstrado grande competência, sensibilidade e sucesso com «EndGame», que ganhou o Globo de Ouro em 2004.

«Lindos Dias», estreado em em 1962, corresponde a um período semelhante ao de «À Esperan de Godot (1953) e «Endgame» (1957): o período pós-guerra, em Beckett vivia em França (à semelhança do seu amigo e irmão-intelectual James Joyce). Peças despidas de artificialismos teatrais, de um simplicidade de diálogo extrema, e sem ambições de grande subtexto, colocando (poucas) personagens, de interioridade quase oca, a interagirem num mundo indescrito, tentando sobreviver num mundo incompreensível, desesperante sem ser violento.

A peça centra-se na personagem de Winnie, que surge primeiramente enterrada até à cintura num pequeno monte relvado, tentando preencher o seu dia com pequenas actividades rotineiras, e com uma interacção, pouco reciprocada, do seu companheiro Willie, que no primeiro acto se encontra por detrás do monte, e apenas se ouve (raramente) do qual se vêem apenas pequenos traços. Winnie tenta sobrepor-se à sua prisão, com óbvio esforço, entretanto-se com os objectos da sua mala, procurando reacções de Willie, citando trechos de poesia, cantando. Mas o desespero acaba por atingí-la recorrentemente. Mas estas fases vão sendo ultrapassadas com pequenos incidente que ela toma como "grande benesses": um grunhido de Willie, o sol, uma pequena formiga. Vai passando o seu tempo com recordações e interrogações de pouca importância, como o que entender exactamente o que está escrito na sua escova de dentes. Durante o primeiro actos, a comédia equilibra o desespero com a comédia dos pequenos nadas.

A atmosfera torna-se substancialmente mais trágica no segundo acto, em que Winnie surge já enterrada até ao pesoço, e portanto sem uso dos seus braços, incapaz de se entreter com as antigas rotinas, que preenchiam antes o seu dia. Sobre-lhe apenas a palavra. O esforço de Winnie para manter os espírito é palpável, e sentimos de forma mais intensa a sua dificuldade em extrair prazer do que a rodeia, da memória, da palavra. Mas Winnie logra manter ainda um resquício de esperança. Delira com o aparecimento à sua frente (e em plena visão do público) de Willie, que em movimentos lentos tentar acariciar Winnie (ou assim entende ela) ou agarrar o revolver que Winnie havia sacado da mala anteriormente, e pôr assim fim ao seu desespero.

A peça é em largamente soportada pela figura de Winnie, que assume a larga maioria do texto ao longo da peça. Raquel Dias faz um trabalho incrível, subtilmente oferecendo o desespero e o ânimo (ingénuo), natural e humano num situação sem perspectiva de uma saída positiva, que não oferece aos olhos do espectador qualquer esperança. O seu trabalho no segundo acto é notável, pois neste faz apenas uso da cara, como se houvesse um grande plano sobre a sua cara (invocando o filme «Caras» de John Cassavetes). Com recurso apenas à expressão facial e à voz, com grande elasticidde e criatividade, Raquel Dias continua a transmitir toda a subtileza das mudanças de humor de Winnie.

A tradução de João Paulo Esteves da Silva retém não só a simplicidade e universalidade do texto de Beckett, como logra introduzir pequenos elementos que tornam o texto muito português.

Embora Beckett rejeitá-se quaisquer interpretações simbólicas do seu texto cru, cada espectador não pode deixar de reagir e ir criando relações com a sua experiência pessoal. Para mim, o texto ganhou especial relevância por estar em cena num momento em que Portugal (e o Mundo) enfrentam uma histórica crise económica e social, em o desespero e a falta de esperança proliferam, e encontrava na atitude de Winnie grande paralelos como os portuguêses vão tentando manter algum ânimo, alguma esperança, embora não vislumbrem uma saída próxima para crise e suas dificuldades. O facto de esta louvável encenação ter lugar num espaço alternativo, de condições limitadas, é por si só uma illustração das dificuldades que os profissionais das artes do espectáculo entrentam para pôr peças de qualidade em cena. É uma peça que merecia outras condições e outra capacidade de lotação, e conforto para os espectadores. Mas infelizmente, os grandes palcos estão monopolizados por peças de outra natureza, com outros objectivos, não o de provocar e estimular o espectador a pensar e sentir, o de ofereçer uma experiência teatral sem artifícios, mas centrado na qualidade do texto e dos actores. «Lindos Dias» merece ser visto e recomenda-se.

Um comentário:

anamar disse...

Lá estarei! Obrigada pelo texto!