Este dia do ano passou a ter uma carga emocional imensa. Talvez nenhum outro dia do ano, à excepção talvez de feriados religiosos, tenha a mesma ressonância mundial. Quer se queira quer não a referência a este dia, devido aos ataques de 2001, remete a um conjunto de emoções diversas consoante a pessoa, desde um dia de tragédia, um dia de vingança, um dia que veio precipitar uma escalada imperialista que incluiu até agora duas invasões, ocupações e colonizações imperiais (no Afeganistão e Iraque), assente em mentiras e meias-verdades, que causou mais mortes civis que os ataques de 2001.
Nos EUA, a expressão «911» foi durante os anos seguintes a 2001 uma constante no discurso político, qualquer que fosse o tema: aumento de despesas militares, limitação de liberdades democráticas, aperto nas fronteiras, apelo ao consumo, razão para arrasar países que nada tiveram que ver com os incidentes desse dia.
Apesar do impacto que o 11 de Março de 2004 teve em Madrid, ou o 7 do 7 de 2005 em Londres, a nível mundial, é o 11 do 9 que persiste em ter o maior significado.
É compreensível que por esta altura sejam lembrados outras efemérides associadas a este dia. Nunca é por demais recordar que foi neste dia, em 1973, que o fascismo de Pinochet assassinou centenas de chilenos e derrubou o legítimo governo de Salvador Allende e o progresso de democracia popular em curso, seguindo-se anos escuros de ditadura e submissão aos ditames dos experimentalistas económicos de Chicago. Este golpe é recordado agora muitas vezes como forma de contraste com os incidentes de 2001 nos EUA, para sublinhar que este dia carrega outra tragédia, no qual o EUA teve um papel condutor nada desprezável.Mas esta forma de contraste deixa-me sempre insatisfeito. Primeiro, porque o golpe no Chile merece ser relembrado por si só, sem necessidade de se falar "no outro Onze de Setembro". Mas também porque independentemente das causas dos incidentes nos EUA e da forma como os interesses financeiros e o seu governo Bush-Cheney-Rumsfeld-Powell-Rice veio a tirar proveito da ocasião, não devemos deixar de também sentir pesar pelos que faleceram na zona das torres gémeas, no Pentágono e em Pensilvânia. Entre os falecidos estão trabalhadores das zonas atingidas e dos serviços de socorro que acorreram aos locais. Não se trata de comparar responsáveis, ou a quantia de mortos. Apenas frisar que o nosso humanismo não deve deixar de se estender às vítimas desse dia nos EUA. Os membros do povo que nesse dia faleceu foi vítima directa dos responsáveis pelos ataques e pela historial de política externa dos EUA, e não é responsável pelo que foi feito em seu nome – como muito bem frisaram muitos familiares dos falecidos.
Talvez esteja a reagir exageradamente. Nunca se irritaram quando numa notícia de um acidente aéreo ou natural algures no mundo a segunda e última frase da notícia consta da presença ou não de algum português. Como se as restantes vítimas, pela ausência de co-nacionalidade, não fossem dignas de registo. Talvez eu sinta este aspecto de forma mais vincada por ter passado o dia 11 de Setembro de 2001 nos EUA. Mas tal não me impede de sentir vivamente as mortes no estádio de Santiago do Chile, ou os "danos colaterais" no Afeganistão quando um esquadrão dispara sobre um casamento. A nossa solidariedade e humanismo não deve ter barreiras entre povos. Não devemos deixar também que o anti-imperialismo nos impeça de sentir solidariedade perante vítimas civis por serem cidadãos de um país imperialista, pois como é evidente a luta imperialista não é para com o povo mas para com os dirigentes e exploradores do Império.
Ironicamente foi também no dia Onze de Setembro, que Ghandi, em 1906, na África do Sul, primeiro usou o termo "Satiagraha" para descrever o movimento de não violência.
Este dia é também feriado nacional na Catalunha (La Diada), relembrando a derrota catalã, após o cerco de Barcelona em 1714, durante a guerra de sucessão espanhola, que abriu as portas para duzentos anos de supressão da autonomia catalã e uma maior centralização do poder na monarquia espanhola.
Também muitas vezes esquecido em Portugal é o facto do dia 11 de Setembro assinalar o dia da morte, do assassinato, de Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP, no Campo da Morte Lenta, no Tarrafal, em 1942.
Foi neste dia também que morreu o meu primeiro cão, o Charlie. Nunca gritei tanto e vindo de tão fundo na minha vida.
Por fim, é também aniversário de uma amiga (cujos anos ficaram perdidos mas não esquecidos no meio de tanta efeméride): parabéns Nena!
sábado, setembro 11, 2010
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5 comentários:
Infelizmente servem-se de tudo, segundo as suas próprias versões, para fazerem prevalecer a sua doutrina, e implementa-la na mente da carneirada...
Outros dias deviam ser lembrados, todos os anos, como por exemplo o dia da decisão que levou à morte de milhões de pessoas pela "santa inquisição, o dia da criação da maior associação de assassinos, que desde a sua criação mataram milhões e milhões de pessoas, a CIA é claro... e muitas mais podia ser dito... pois o sistema para ser imposto foi e é necessário "calar"muito boa gente...
Gulags siberianos; casal Ceausesco; revolução cultural chinesa (china... que bom país para o capitalismo. Consegue-se mão de obra aos milhões e mesmo em conta: uma tigela de arroz e...); Camboja;...; e ouro sobre azul: 500 mil funcionários públicos cubanos despedidos. Como são gloriosos os amanhãs nos países comunas!
Faço uso de uma exclamação que vos é cara: No passaran!
Quando pequeno, o meu pai perguntava-me qual o meu partido; ao que eu respondia: comunista!
aaaah... a ternura da ingenuidade infantil.
"Leal Maria"
Eu sei que o problema não é seu, pois o seu único problema é dar determinada noticia como certa e não ter o interesse de saber a noticia toda;
Mas quanto ao Cubanos não fique triste, pois com eles não vai-se passar o que se passa nos ditos grandes países da democracia;
Estes cubanos não vão ser despedidos para depois serem contratados a recibos verdes, nem vão ficar como precários tal como nos países, ditos de grande democracia;
Nem vão para o desemprego, sem subsidio ou com um subsidio miserável, para depois serem contratados pelo ordenado mínimo, ou isso ou a morte à fome, tal como se passa nos ditos países de grande democracia.
Faça um esforço para saber e entender todas as situações, no teu todo e objectivamente e deixe a hipocrisia com más intenções, para a comunicação generalista que precisa fazer crer que não existe alternativa à exploração...
Jornalistas esses alvos da exploração, pela meia dúzia que são donos da desta comunicação social.
Leal Maria: o preconceito anti-comunista dá para muito. Até para atacar um post no qual um comunista alerta para que a esquerda portuguesa não descarte anualmente o luto dos mortos no 9/11/2991 nos EUA invocando outros 11s de Setembro, em geral o Chileno, porque há que exprimir luto pela morte também desses trabalhadores dos EUA.
Afirmar o ideal comunista não é ingenuidade, é idealismo. Nada tem de infantil, no sentido de escolha caprichosa e irracional. Tem de infantil a esperança, o sentido mais puro de justiça. Se entretanto a realidade do mundo te desgastou, amargurou ou corrompeu, é pena. É que o mundo tem de mudar (sob risco de deixar de existir). E apontar a via do comunismo não significa ter um mapa das estradas. É isso que nunca entendi aos que atiram casos históricos (geralmente versões parciais e distorcidas - caso do exemplo citado de Cuba, que a parte dessa raiva fosse dirigida ao Sócrates). Acham que essas são vias inevitáveis. Que não se aprende com a história. Que o comunismo é estruturalmente totalitário? Que o Homem é intrinsecamente malévolo? Então tanto faz o esquema económico. Ah, não, o capitalismo promove o pior que há no Homem. A China é país para arremessar nesta conversa por se afirmar socialista, ou por dar espaço ao capitalismo, ou pela contradição (como o neoliberalismo sob um governo "socialista").
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