domingo, outubro 28, 2012

Dívida: Menos ingressos Mais austeridade

O último livro de Guilherme da Fonseca-Statter, «O Escândalo da Dívida e o Sistema Mundial Offshore (Vender a alma ao Diabo)», faz uma compreensível análise do sistema de refúgios fiscais e sua relação com a explosão de crises de dívida pública, em Portugal e em muitos outros países. À semelhança do seu livro «O Preço das Coisas – Conversas à Volta de Um Café ...», GFS consegue em linguagem simples e coloquial explicar fenómenos económicos e financeiros complexos e de grande importância para o entendimento da fase corrente do sistema capitalista. (GFS é por vezes coloquial demais, com demasiados à partes, mas estas deambulações são compensadas pelo seu enfoque nos processos e interesses concretos relevantes e tão frequentemente ignorados na comunicação social.)

Neste livro examina o uso e abuso de refúgios fiscais por parte dos bancos, multinacionais e as grandes fortunas e o consequente decréscimo de impostos nos países com sectores produtivos e de serviços, onde os lucros são gerados. Sob este prisma, a causa da irrupção da dívida pública passa a ganhar sentido por via do decréscimo de ingressos, por oposição à linha mais frequente: que o estado é despesista, gasta demasiado dinheiro e a dívida se deve aos mau uso do dinheiro público, às empresas públicas darem prejuízo, às funções sociais do estado serem insustentáveis financeiramente.

Faça-se a seguinte comparação. Até aos anos 1970, a taxa tipo IRC era na generalidade dos países ocidentais na ordem dos 40-45%. Em Portugal é agora cerca de 25%. Antes a os escalões mais altos da taxa tipo de IRS ultrapassavam os 80%. O escalão mais alto de IRS (2013) não ultrapassa os 50%. E isto não inclui as excepções e isenções de que as grandes empresas e grandes fortunas tiram proveito por poderem contratar advogados e contabilistas especialistas em explorar o código fiscal. Mas as empresas e grandes fortunas não estão efectivamente a pagar impostos a este nível. Através do uso de refúgios fiscais – países ou jurisprudências com taxas bastante mais baixas e sigilo fiscal – as empresas e fortunas escondem os seus lucros e fortunas e nem chegam a pagar impostos no país de origem.

O maior escândalo é que muito destes processos são legais! Não se trata aqui de lavagem de dinheiro de origem criminosa, embora sejam os mesmos mecanismos bancários. São transferências legais que aproveitam a liberalização de transferência de capitais.

Somado a esta perda de ingresso orçamental, os países da União Europeia (e outras zonas de Comércio Livre) perderam também os ingressos aduaneiros sobre trocas comerciais dentro da UE, e com o euro qualquer controle monetário. Tendo em conta tamanhas reduções aos ingressos do Estado não havia do orçamento entrar em dívida.

Encarada desta forma a dívida, causada pelas multinacionais e grandes fortunas, está a ser paga pelos pequenas e médias empresas, pelos escalões intermédios de IRS, e pelos trabalhadores e reformados que vêem as funções sociais do estado e a sua rede de protecção social sufocadas e a quem é exigido que pague cada vez mais pelos bens e serviços essenciais, assim como pela educação e cuidados de saúde. Estes pagam mais porque os que nadam em dinheiro pagam menos.

(a continuar.)

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